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16h

O dilema da blusinha: pesquisa investiga por que brasileiro tem dificuldade de fazer 'escolhas sustentáveis'

O dilema da blusinha: pesquisa investiga por que brasileiro tem dificuldade de fazer 'escolhas sustentáveis'
Consumidor diz achar sustentabilidade importante, mas quando vai às compras não leva temais ambientais e sociais em consideração. O que explica a contradição? Quatro modelos desfilam os looks de uma marca de fas fashion em uma propaganda: "Mais estilo por menos. Muito menos. Preços imbatíveis. Vestido: US$ 10. Sapatos: US$ 5", começa a locutora.
Uma das atrizes que posam com as peças para, olha para a roupa e questiona: "Por que é tão barato?".
A música de fundo para. "Não se preocupe com isso", responde a narradora do comercial. A trilha sonora volta, e a voz continua: "Camiseta masculina: US$ 3." "Não é feita com trabalho análogo à escravidão", emenda.
O ator que desfila pelo cenário fica confuso: "Beleza?..."
As situações absurdas continuam até que uma das modelos pergunta: "Tem alguma coisa errada aqui, né?".
"Se tivesse, você deixaria de comprar?", questiona a locutora. "Não…", respondem os atores, sem graça.
Brasileiro acha sustentabilidade importante, mas minoria leva isso em conta na hora de comprar
Gett Images
O vídeo é uma esquete do programa humorístico americano Saturday Night Live, que faz piada de uma característica que consumidores em diversas partes do mundo hoje compartilham: muitos sabem que, de forma geral, a indústria do fast fashion tem uma série de problemas ligados à sustentabilidade ambiental e ao uso de mão de obra precarizada e se incomodam com eles.
Ainda assim, apenas uma minoria deixa, por causa disso, de comprar destas marcas, conhecidas por produzir em massa coleções que mudam rapidamente conforme as tendências.
Na indústria da moda, esse comportamento é a expressão de uma espécie de "dilema da blusinha", quando o consumidor tem informação, por exemplo, sobre as condições precárias de trabalho em fábricas da Ásia ou em outras partes do mundo, discorda dessas práticas, mas não deixa de comprar.
Uma pesquisa recente da empresa de dados Kantar em 22 países buscou quantificar esse fenômeno entrevistando cerca de 23 mil pessoas sobre seus hábitos de consumo relacionados à sustentabilidade em 42 setores, da moda à alimentação.
Globalmente, 85% disseram querer tomar decisões mais sustentáveis, mas apenas 29% mudam ativamente seus comportamentos.
No Brasil, onde foram entrevistadas mil pessoas entre novembro de 2024 e janeiro de 2025, o abismo é ligeiramente menor, mas a dinâmica é essencialmente a mesma: 87% expressaram desejo de fazer escolhas mais sustentáveis, mas apenas 35% afirmaram mudar de fato seus padrões de consumo por questões sociais e ambientais.
Isso significaria, por exemplo, deixar de comprar uma roupa de determinada marca por acreditar que ela não paga salários dignos aos funcionários de suas fábricas ou um café por achar que a empresa não remunera os produtores de forma justa, exemplifica Rafael Farias Teixeira, executivo de marketing da Kantar Insights Brasil e um dos responsáveis pela análise do estudo Sustainability Sector Index (SSI), ao qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade.
Os brasileiros citaram três principais razões para justificar por que não adotam hábitos mais sustentáveis: preço (mencionado por 35% dos participantes), a falta de informação sobre o tema (33%) e a crença de que não seria possível saber de forma concreta qual o impacto social e ambiental do produto que estão adquirindo (20%).
Além de consumir de forma mais consciente, consumir menos também é um passo importante em relação à sustentabilidade, dizem especialistas
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'Consumo sustentável é hoje restrito a uma elite'
A BBC News Brasil conversou sobre os resultados com duas especialistas na área de sustentabilidade, a consultora Ligia Zottin, que já trabalhou para marcas como a calçadista Veja/Vert, e a pesquisadora Luciana dos Santos Duarte, que dá aulas na Universidade de Haia, na Holanda, e também atua como consultora para empresas de moda.
Para Zottin, a visão predominante sobre a importância da sustentabilidade que aparece na pesquisa é de certa forma um produto do mundo interconectado e dos efeitos cada vez mais visíveis das mudanças climáticas.
"As pessoas estão vendo que os invernos no Brasil não são mais tão frios como eram, que todo ano a gente bate recordes de temperatura… Então, se você perguntar para as pessoas, elas não vão dizer que não se importam com os temas de sustentabilidade", diz a consultora.
Sobre as razões apresentadas pelos entrevistados, Zottin reconhece que é muitas vezes difícil para as pessoas de forma geral entenderem se as marcas que estão consumindo são de fato sustentáveis, já que não existe um padrão internacional para divulgação de informações relacionadas a esse tema.
As certificações de origem sustentável ajudam, mas elas podem ser caras em alguns países, especialmente se forem adotadas por poucas empresas, e, a depender do setor, nem todas são confiáveis.
"Acho que vai chegar um momento em que isso precisa ser regulamentado", diz Zottin, citando o exemplo da França, que vem implementando a legislação aprovada em 2022 na União Europeia que busca padronizar a divulgação das informações das empresas sobre seu desempenho em áreas ambientais, sociais e de governança, conhecida pela sigla ESG.
Duarte pontua que governos e empresas têm apresentado boas iniciativas, e cita como exemplo a Política Nacional de Resíduos Sólidos aprovada no Brasil em 2010, que "já pensava na logística reversa" (área que se dedica à coleta, transporte, reciclagem ou descarte do que é consumido), mas diz que falta muita fiscalização para garantir que tudo seja de fato colocado em prática.
De volta aos consumidores, a pesquisadora pontua que essa disparidade entre o que as pessoas dizem que são seus valores e a forma como elas de fato agem tem sido observada na indústria da moda há muitos anos, em diferentes partes do mundo e que não há sinais de mudança no horizonte.
O consumo sustentável é hoje restrito a uma elite não só pelo poder de compra, mas também pelo maior acesso a conhecimento sobre o assunto, avalia Duarte.
Dito isso, a pesquisadora acrescenta que o consumo é apenas um parâmetro na discussão sobre sustentabilidade, especialmente diante da desigualdade de renda crescente que separa ricos e pobres.
"A sustentabilidade existe nas classes baixas não pelo consumo, mas pela maneira como as pessoas sobrevivem com soluções alternativas — o que, em uma outra linguagem, é chamado de 'upcycling' (transformar materiais que seriam descartados em algo novo) ou conhecido como reciclagem", ressalta.
Impactos mais visíveis das mudanças climáticas torna cada vez mais difícil ignorar tema da sustentabilidade, diz consultora na área
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Consumidor mais atento a propaganda enganosa
Apesar da dificuldade de transformar a visão sobre sustentabilidade em novos hábitos de consumo, a maioria dos brasileiros entrevistados no estudo relatou já ter tomado ao menos uma vez uma decisão de compra com base nos valores que as marcas afirmam representar.
Metade disse comprar menos ou parar de comprar certos produtos ou serviços devido a seu impacto ambiental ou social negativo e 55% relataram terem experimentado ou usado marcas com impacto ambiental ou social mais positivo ou estarem abertos à ideia.
Os brasileiros também estão muito mais atentos à tentativa de algumas empresas de tentarem parecer sustentáveis quando, na verdade, não são por meio de práticas conhecidas como greenwashing e social washing.
Entre os participantes da pesquisa da Kantar, 58% relataram ter visto ou escutado informações falsas ou enganosas sobre as ações sustentáveis das marcas, um aumento de oito pontos percentuais em relação a 2023, na última edição da pesquisa.
Do 'made in Brasil' à redução do consumo
Para aqueles interessados em consumir de forma mais sustentável, a consultora Ligia Zottin diz que um bom caminho é começar a dar preferência aos produtos locais em vez de importados, que têm muitas vezes uma cadeia logística maior e "viajam" mais até chegar à prateleira da loja ou do supermercado.
Se estiver comprando itens de vestuário, por exemplo, dê uma olhada na etiqueta — quanto mais made in Brasil (fabricado no Brasil, em inglês), melhor.
"Você também pode olhar a composição dos materiais e comprar mais roupas de algodão, por exemplo, já que o poliéster solta microplásticos quando é lavado", ela completa.
Também dá para ficar atento aos produtos com certificações, que indicam que as empresas passaram por um processo de auditoria para conferir se atuam de forma ambientalmente responsável e socialmente justa.
E consumir menos, o que ela também considera um passo importante em direção à sustentabilidade.

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