Licença-paternidade com urgência no Congresso: quais os benefícios da ampliação, segundo estudos

Câmara aprovou urgência para projeto que amplia licença-paternidade para 15 dias
Getty Images via BBC
A Câmara dos Deputados aprovou logo antes do recesso parlamentar a urgência para um projeto de lei que amplia a licença-paternidade no Brasil para 15 dias, sem prejuízo ao salário e com estabilidade no emprego de 30 dias após a licença.
Com a aprovação da urgência, a proposta — já aprovada no Senado e que tramita no Congresso há 17 anos, desde 2008 — pode ser votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara.
A expectativa é de que isso possa acontecer já neste mês de agosto, com a volta dos deputados do recesso parlamentar.
A decisão pela urgência foi tomada em 16 de julho, uma semana após o vencimento de prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso regulamentasse a licença-paternidade no país, conforme determinado pela Constituição.
Atualmente, no Brasil, os pais têm direito a cinco dias corridos de afastamento remunerado após o nascimento ou adoção de um filho. Empresas que aderem ao Programa Empresa Cidadã podem estender esse período para até 20 dias.
Com 15 dias de licença, o Brasil passaria a estar em linha com o padrão mínimo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomenda ao menos 14 dias de licença-paternidade.
Mas organizações da sociedade civil mobilizadas pela ampliação da licença consideram o prazo de 15 dias insuficiente e defendem outros projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, que preveem a licença-paternidade com prazo mais longo, de 30 a 60 dias.
"Este projeto de lei [PL 3.935/2008], apesar de já ter sido votado no Senado, está parado desde 2008 e não dialoga com as necessidades atuais de crianças, famílias e da sociedade", afirma Caroline Burle, presidente adjunta da Coalizão Licença-Paternidade (CoPai).
"A licença-paternidade de 30 dias é o mínimo para começarmos a mudar a cultura vigente e estimular os pais a participarem mais ativamente no cuidado dos filhos."
Entre os países com licenças-paternidades mais generosas atualmente estão Espanha (16 semanas com 100% de remuneração), Islândia (26 semanas com 80% da remuneração) e Suécia (90 dias para cada pai e 300 dias adicionais compartilháveis entre os dois, com 80% da remuneração).
Enquanto o debate ganha fôlego no Congresso, a experiência internacional sugere que a licença com prazo mais longo traz benefícios diversos para as famílias, as empresas e até mesmo o país, mostram mais de 50 produções acadêmicas compiladas em uma revisão bibliográfica realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).
"A licença-paternidade é uma importante política de cuidado, que tem o papel de corresponsabilizar dentro do lar, ou seja, de dividir melhor o trabalho entre pais e mães", diz Luiza Nassif Pires, co-diretora do Made e professora do Instituto de Economia da Unicamp.
"Isso era algo que estava previsto na Constituição e que nunca foi feito, então a regulamentação tem uma importância histórica, de valorizar aquilo que estava colocado lá [no texto constitucional], respondendo à necessidade de maior comprometimento dos pais com a criação dos filhos."
Mas, entre os desafios para a aprovação da mudança estão os custos a serem gerados para a Previdência e a resistência de setores empresariais, que apontam impacto negativo principalmente para as pequenas empresas, maiores empregadoras do país.
Entenda o que dizem estudos sobre os efeitos de ampliar a licença para os pais e em que pé está a discussão sobre a ampliação da licença-paternidade no Congresso.
Após prazo, Senado tenta avanço com licença-paternidade; pediatras falam sobre importância
Quais os benefícios de ampliar a licença-paternidade, segundo estudos
No estudo realizado pelo Made-USP, que visa embasar o debate que agora ganha momento na Câmara dos Deputados, a licença-paternidade estendida é analisada considerando os efeitos dela sobre cinco aspectos:
os pais e mães no mercado de trabalho;
a divisão do trabalho doméstico e de cuidado nas famílias;
o vínculo entre pai e criança e o desenvolvimento infantil;
a fertilidade;
e o impacto para as empresas.
Mas antes, os pesquisadores analisam se os pais de fato usufruem da licença-paternidade remunerada estendida, quando ela é concedida.
"A resposta da literatura acadêmica a esta pergunta é que sim, contanto que o benefício seja direcionado unicamente aos homens, de forma intransferível às suas parceiras", escrevem Amanda Resende, Eslen Brito, Letícia Graça, José Bergamin e Luiza Nassif Pires, autores do estudo.
Na América Latina, por exemplo, embora a OIT (Organização Internacional do Trabalho) recomende ao menos 14 dias de licença-paternidade, apenas Cuba, Venezuela e Paraguai oferecem esse período.
Cuba possui uma licença parental compartilhada entre pai e mãe de até 365 dias mantendo 60% dos salários, enquanto Venezuela e Paraguai têm licenças-paternidade de 14 dias.
Mas, em Cuba, somente 124 homens reclamaram o direito à licença-paternidade entre 2003 e 2014, destacam os pesquisadores do Made. No Uruguai, 2,6% dos homens utilizaram a licença até 2015 e, no Chile, onde a licença também é parental (ou seja, compartilhada entre pai e mãe), foram apenas 0,2% dos homens.
Assim, a literatura traz evidências de que licenças-paternidade no formato "tire ou perca" – ou seja, intransferível para as mães, de forma que o casal perde o período de licença caso o pai não a solicite – foram mais efetivas em diversos países.
Efeitos para pais e mães no mercado de trabalho
Segundo os pesquisadores, a maioria dos trabalhos não encontra efeito significativo da licença-paternidade para os pais no mercado de trabalho.
Isso, segundo eles, indica que a licença não resulta em discriminação dos empregadores em relação aos pais, em redução de salários ou em impactos negativos na evolução de suas carreiras.
Já para as mulheres, o aumento do tempo de licença-paternidade tem impacto positivo sobre rendimentos, percentual de trabalhadoras formais e condição de ocupação, tanto no curto prazo (até três anos após o nascimento), como num prazo mais longo.
No entanto, esse feito se dilui ao longo do tempo, de modo que não há um impacto significativo na redução da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, ponderam os pesquisadores do Made-USP, com base na revisão bibliográfica.
Licença-paternidade não prejudica a carreira dos pais, beneficia a das mães, mas é insuficiente para reduzir o hiato de gênero, mostra a literatura acadêmica
Getty Images via BBC
Efeito sobre a divisão do trabalho doméstico e sobre o vínculo entre pai e criança
A maior parte da literatura encontra evidências de que a licença-paternidade é capaz de influenciar o comportamento dos homens, incentivando o aumento da participação masculina nas tarefas de cuidado das crianças, mas também nas tarefas domésticas em geral, inclusive no longo prazo, destacam os pesquisadores do Made-USP.
Além disso, diversos estudos feitos em contextos nacionais distintos — como Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega e Cingapura — convergem para demonstrar que o desenho da política de licença-paternidade, aliado à duração do tempo afastado e ao suporte institucional, influencia diretamente o grau de envolvimento dos pais com seus filhos.
Rodrigo Mieldazis, de 37 anos e gerente de crescimento de receitas na fabricante de bebidas Diageo, conta que viveu na prática essa experiência.
Desde 2019, a Diageo – dona de marcas como Smirnoff e Johnnie Walker – adota uma política de licença familiar, onde os pais têm direito a seis meses de licença-paternidade remunerada.
Pai de duas filhas – Alícia, de 4 anos, e Layla, de 11 meses –, Rodrigo pôde se beneficiar da licença estendida no nascimento da caçula.
"Num primeiro momento, tive uma divisão de pensamentos: por um lado, um certo nervoso de ficar tanto tempo fora, num momento de construção de time e de mudanças, deu um certo frio na barriga", lembra o profissional.
"Por outro lado, eu sabia que ia ser muito bom poder estar perto da minha filha, estar perto da minha família. E, no fim, foi isso que prevaleceu."
Rodrigo Mieldazis, de 37 anos e funcionário da Diageo, pôde usufruir de seis meses de licença-paternidade remunerada e viu seu vínculo com as duas filhas fortalecido
Arquivo pessoal via BBC
Rodrigo conta que, ao ter todo seu tempo dedicado a dividir o cuidado com as filhas durante aqueles seis meses, pôde entender muito melhor a carga de trabalho que é imposta às mulheres. Além disso, o período de licença serviu para ele desenvolver novas habilidades domésticas.
"Acho que eu sempre fui de alguma forma participativo, mas descobri que tenho alguns dons culinários durante esse período", conta.
"Assisti muitos vídeos do YouTube e aprendi bastante coisa. Então agora, embora não seja sempre que eu consiga, por conta da rotina de trabalho, sempre que eu posso, piloto o fogão e faço alguma coisa na cozinha."
O gerente conta ainda que, por conta da licença, viu seu vínculo com as filhas fortalecido.
"Minha relação com a mais velha era excelente e a gente criou um vínculo ainda maior, com momentos de brincadeira, de educação, de estar presente", diz Rodrigo.
"E, com a pequena, eu pude compartilhar esses momentos de cuidado. Ajudar a dar banho, estar presente, pegar ela durante a noite, fazer dormir, enfim. Acho que isso criou também um vínculo muito forte de carinho e amor. Não que, se eu estivesse trabalhando, não fosse criar, mas talvez demorasse um pouco mais."
Os estudos analisados pelo Made mostram que essa maior presença paterna possibilitada pela licença-paternidade está correlacionada com melhores resultados cognitivos para as crianças, melhora na performance escolar e promoção do desenvolvimento emocional e comportamental dos pequenos.
"O pai que tira uma licença-paternidade, e se envolve [no cuidado com a criança] ali nos primeiros 30 dias, vai continuar cuidando mais ao longo da vida dessa criança. Então, não é só uma mudança ali naqueles 30 dias", diz Luiza Nassif Pires, do Made.
Ela observa que os estudos também mostram que os pais que participam mais da criação dos filhos tendem a ser menos violentos com as crianças e as mulheres, então também há efeitos positivos para a redução da violência doméstica.
'O pai que tira uma licença-paternidade e se envolve ali nos primeiros 30 dias vai continuar cuidando mais ao longo da vida dessa criança', diz Luiza Nassif Pires, co-diretora do Made-USP
Divulgação/Made-USP via BBC
Efeito sobre a fertilidade
Os efeitos das licenças parentais sobre a fertilidade são relevantes num mundo com taxas de natalidade em queda. Isso resulta em populações envelhecidas e menor número de pessoas em idade ativa, que sustentam o desenvolvimento econômico e o sistema previdenciário dos países, observam os pesquisadores do Made.
Entre as causas das baixas taxas de fertilidade estão as desigualdades de gênero, sejam elas domésticas (por exemplo, a responsabilização desigual das mulheres pelas tarefas do lar e de cuidado dos filhos) ou estruturais (por exemplo, o efeito negativo da maternidade sobre os salários das mulheres, licenças insuficientes, escassez de creches e de redes de suporte, entre outros).
No entanto, alguns estudos mostram que uma oferta única de licença-paternidade não seria suficiente para elevar as taxas de fertilidade, principalmente em países mais ricos, onde as condições financeiras favoráveis e a alta participação feminina no mercado de trabalho tornariam as taxas de fertilidade menos sensíveis à política.
"Todavia, o achado mais interessante foi que, em países menos ricos e menos igualitários – como é o caso do Brasil –, a licença-paternidade se apresentava como fator impulsionador das taxas de fertilidade independentemente da taxa de participação feminina", destacam os economistas da USP.
"Os pesquisadores concluíram que esse resultado pode sugerir que políticas de licença reduzem inseguranças econômicas (mesmo em contextos de pobreza crônica) e que normas culturais de formação familiar podem se sobrepor a preocupações financeiras", acrescentam.
A bibliografia não mostra efeitos da licença-paternidade sobre a fertilidade em países mais ricos, mas há evidências de impacto no aumento das taxas em países mais pobres e menos igualitários — como é o caso do Brasil
Getty Images via BBC
Efeitos para as empresas
Por fim, os pesquisadores do Made-USP analisam o que a literatura diz sobre os efeitos da licença-paternidade para as empresas e encontram benefícios como a maior retenção de talentos, com a redução do número de demissões voluntárias.
Vivian Broge, vice-presidente de Relações Humanas e Marketing da Totvs, confirma esse efeito para a empresa de software, que desde agosto de 2022 adotou uma licença-paternidade ampliada de 40 dias, que podem ser usufruídos até oito meses após o nascimento ou adoção da criança.
Broge relata que, embora o usufruto da licença não seja obrigatório, 790 profissionais já requisitaram a extensão da licença desde a implementação da política. A Totvs tem hoje 12,4 mil funcionários.
"Quem solicita traz relatos muito importantes do impacto que isso trouxe para a família", diz a porta-voz da empresa.
Com a licença-paternidade estendida, aumenta o engajamento do colaborador, porque cresce a apreciação da família pela empresa, diz Vivian Broge, da Totvs
Divulgação/TOTVS via BBC
"Também aumenta o engajamento do colaborador, porque cresce a apreciação da família pela empresa", diz a executiva, acrescentando que a Totvs também passou a oferecer como benefício para seus funcionários com filhos o Teste da Bochechinha, um teste de rastreamento genético que investiga mais doenças do que o chamado Teste do Pezinho.
"Isso está em linha com o que a gente acredita, que é o cuidado integral da família, porque o vínculo familiar e a saúde são essenciais para que a pessoa possa estar inteira na vida e no trabalho."
Os benefícios observados pela empresa, porém, se dão num cenário em que poucas companhias no Brasil oferecem uma licença-paternidade tão extensa, o que pode deixá-las mais atraentes para trabalhadores homens.
Não está claro se essas vantagens (como retenção de talentos e redução nas demissões voluntárias) seriam mantidas se houvesse uma licença-paternidade universal e obrigatória para todas as empresas.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o aumento da licença-paternidade teria impactos negativos especialmente para micro e pequenas empresas.
Em sua Agenda Legislativa da Indústria de 2025, a CNI indicou ter ressalvas à proposta de ampliação da licença-paternidade para 15 dias.
"Embora a medida seja meritória, o aumento da licença-paternidade seria melhor tratado no âmbito do programa Empresa Cidadã, nos moldes da licença-maternidade, ou por meio de negociação coletiva, que permite atender às peculiaridades do caso concreto, respeitadas as necessidades de empregados e empregadores", argumentou a CNI em seu documento.
"A ausência ao trabalho de um empregado pode assinalar sensível redução da mão de obra, em especial para as micro e pequenas empresas, principais empregadoras", pondera a entidade representativa da indústria.
Para a CNI, extensão da licença-paternidade pode gerar dificuldades especialmente para as pequenas e médias empresas, que são as maiores empregadoras do país
Agência de Notícias da Indústria via BBC
Luiza Nassif Pires, do Made-USP, destaca ainda uma limitação das políticas de licença-paternidade: elas atendem apenas aos trabalhadores formais.
Assim, na visão da pesquisadora, seria desejável que a política fosse desvinculada da contribuição previdenciária e garantida pelo Estado a todos os trabalhadores, a fim de reduzir as assimetrias de gênero.
Além disso, a licença-paternidade não pode ser uma política isolada, defende a professora da Unicamp.
"É preciso uma continuidade, porque um dos problemas que observamos é a chamada 'penalidade da maternidade', que é a quebra na trajetória profissional das mulheres quando elas se tornam mães", diz Nassif-Pires.
"Então, não é só o envolvimento ali no primeiro momento do pai, mas também, por exemplo, creches públicas, escolas de tempo integral. É, de fato, criar essa responsabilidade [pelo cuidado] que também envolve um papel maior do Estado."
Por que o STF determinou que o Congresso regulamentasse a licença-paternidade?
Desde 1988, a Constituição Federal garante o direito à licença-paternidade. Segundo a Carta Magna, essa licença seria de cinco dias, enquanto não fosse aprovada lei regulamentando o direito.
Em dezembro de 2023, passados 35 anos da promulgação da Carta, o STF determinou que o Congresso teria 18 meses para suprir sua omissão legislativa quanto à regulamentação.
"A regra provisória que dá licença-paternidade de cinco dias até que a lei seja criada não resolve o problema", consideraram os ministros, à época.
"Essa norma foi criada para ser temporária e não é adequada para proteger os filhos e a família nem para garantir a igualdade entre homens e mulheres, considerando a mudança dos papéis de homens e mulheres na família e na sociedade."
Em dezembro de 2023, o STF determinou que o Congresso teria 18 meses para regulamentar o direito à licença-paternidade, conforme previsto na Constituição
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil via BBC
A decisão foi tomada no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
À época, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, propôs que, caso a omissão persistisse passado o prazo de 18 meses, o direito à licença-paternidade deveria ser equiparado à licença-maternidade – que atualmente tem duração de 120 dias (4 meses), que podem ser estendidos para 180 dias (6 meses) para empresas participantes do Programa Empresa Cidadã.
Mas, por fim, os ministros do STF estabeleceram que, se o Congresso não legislasse ao final de 18 meses, caberia ao Supremo fixar o período de licença.
O prazo de 18 meses estabelecido pelo STF terminou em 8 de julho.
Em que pé está o tema no Congresso e o que acontece agora
Atualmente, 50 projetos sobre licença-paternidade tramitam na Câmara e outros sete no Senado, segundo um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a pedido da BBC News Brasil.
O projeto que teve a urgência aprovada em 16 de julho, de autoria da ex-senadora Patrícia Saboya (PDT/CE), é o mais antigo e tramita com mais de 100 propostas apensadas, que incluem projetos com temas iguais ou correlatos, como licença-maternidade, por exemplo.
Quando o projeto tramita dessa forma, a tramitação passa a considerar todos os projetos como um conjunto, podendo resultar em um substitutivo — um novo texto que incorpora partes dos projetos apensados.
Em 2023, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho sobre o tema, presidido pela deputada Tábata Amaral (PSB-SP).
Esse grupo de trabalho da Câmara gerou um projeto de lei, que prevê a extensão da licença-paternidade no Brasil para 30 dias nos primeiros dois anos de vigência da lei; 45 dias no terceiro e quarto ano; 60 dias após quatro anos da legislação em vigor; e 120 dias em casos de ausência da figura materna na família — esse é o projeto apoiado pelas organizações da sociedade civil reunidas na CoPai.
Pela proposta, o custo da licença seria arcado pelas empresas e posteriormente compensado pela Previdência, como acontece com a licença-maternidade.
No projeto, o custo com a licença de 30 dias é estimado em R$ 3,7 bilhões por ano, inicialmente, chegando a R$ 5,8 bilhões por ano com 60 dias de afastamento.
Em 2024, foi criada uma Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade, presidida por Tábata Amaral, com a senadora Damares Alves (do Republicanos-DF e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos durante o governo de Jair Bolsonaro) como vice-presidente.
"Isso indica ser um tema de abrangência ideológica muito grande", considera Rodolfo Canônico, diretor-executivo da ONG Family Talks e co-fundador da CoPai.
Em 2024, foi criada a Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade, presidida por Tábata Amaral, com a senadora Damares Alves como vice-presidente
Secretaria da Mulher/Câmara dos Deputados via BBC
No Senado, um outro projeto, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), também avança. A proposta foi aprovada em julho de 2024 pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na forma de um substitutivo apresentado pela senadora Damares Alves.
O texto de Damares tem conteúdo similar ao proposto por Tábata na Câmara, prevendo uma licença inicial de 30 dias, ampliada gradualmente até 60 dias.
Atualmente, o projeto aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, sob relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
O STF pode deliberar sobre a licença-paternidade na volta do recesso do judiciário, em agosto. Mas, para Rodolfo Canônico, da CoPai, o ideal é uma legislação debatida e votada pelo Congresso
Arquivo pessoal via BBC
Segundo Canônico, diante da aprovação da urgência na Câmara para o projeto que estende a licença-paternidade para 15 dias, a estratégia das organizações da sociedade civil que defendem um prazo maior será trabalhar junto ao relator, deputado Pedro Campos (PSB-PE), pela aprovação de um substitutivo.
"A ideia é construir, junto com o governo e com os líderes partidários, um prazo que seja conforme aos anseios da sociedade, e por isso vamos trabalhar para que o prazo mínimo previsto neste substitutivo seja de 30 dias", diz o porta-voz da CoPai.
Caso seja aprovado um substitutivo, o texto ainda voltará para deliberação do plenário do Senado Federal, que poderá aceitar o texto da Câmara, ou manter o texto aprovado no Senado.
Outro caminho seria a deliberação sobre o tema pelo STF, o que é possível devido ao vencimento do prazo dado ao Congresso para regulamentação.
"Mas o cenário ideal para nós é que haja uma legislação debatida, votada e construída a partir da representatividade, que é o que deve acontecer no Congresso", diz o representante da sociedade civil.
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A Câmara dos Deputados aprovou logo antes do recesso parlamentar a urgência para um projeto de lei que amplia a licença-paternidade no Brasil para 15 dias, sem prejuízo ao salário e com estabilidade no emprego de 30 dias após a licença.
Com a aprovação da urgência, a proposta — já aprovada no Senado e que tramita no Congresso há 17 anos, desde 2008 — pode ser votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Câmara.
A expectativa é de que isso possa acontecer já neste mês de agosto, com a volta dos deputados do recesso parlamentar.
A decisão pela urgência foi tomada em 16 de julho, uma semana após o vencimento de prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso regulamentasse a licença-paternidade no país, conforme determinado pela Constituição.
Atualmente, no Brasil, os pais têm direito a cinco dias corridos de afastamento remunerado após o nascimento ou adoção de um filho. Empresas que aderem ao Programa Empresa Cidadã podem estender esse período para até 20 dias.
Com 15 dias de licença, o Brasil passaria a estar em linha com o padrão mínimo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que recomenda ao menos 14 dias de licença-paternidade.
Mas organizações da sociedade civil mobilizadas pela ampliação da licença consideram o prazo de 15 dias insuficiente e defendem outros projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, que preveem a licença-paternidade com prazo mais longo, de 30 a 60 dias.
"Este projeto de lei [PL 3.935/2008], apesar de já ter sido votado no Senado, está parado desde 2008 e não dialoga com as necessidades atuais de crianças, famílias e da sociedade", afirma Caroline Burle, presidente adjunta da Coalizão Licença-Paternidade (CoPai).
"A licença-paternidade de 30 dias é o mínimo para começarmos a mudar a cultura vigente e estimular os pais a participarem mais ativamente no cuidado dos filhos."
Entre os países com licenças-paternidades mais generosas atualmente estão Espanha (16 semanas com 100% de remuneração), Islândia (26 semanas com 80% da remuneração) e Suécia (90 dias para cada pai e 300 dias adicionais compartilháveis entre os dois, com 80% da remuneração).
Enquanto o debate ganha fôlego no Congresso, a experiência internacional sugere que a licença com prazo mais longo traz benefícios diversos para as famílias, as empresas e até mesmo o país, mostram mais de 50 produções acadêmicas compiladas em uma revisão bibliográfica realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).
"A licença-paternidade é uma importante política de cuidado, que tem o papel de corresponsabilizar dentro do lar, ou seja, de dividir melhor o trabalho entre pais e mães", diz Luiza Nassif Pires, co-diretora do Made e professora do Instituto de Economia da Unicamp.
"Isso era algo que estava previsto na Constituição e que nunca foi feito, então a regulamentação tem uma importância histórica, de valorizar aquilo que estava colocado lá [no texto constitucional], respondendo à necessidade de maior comprometimento dos pais com a criação dos filhos."
Mas, entre os desafios para a aprovação da mudança estão os custos a serem gerados para a Previdência e a resistência de setores empresariais, que apontam impacto negativo principalmente para as pequenas empresas, maiores empregadoras do país.
Entenda o que dizem estudos sobre os efeitos de ampliar a licença para os pais e em que pé está a discussão sobre a ampliação da licença-paternidade no Congresso.
Após prazo, Senado tenta avanço com licença-paternidade; pediatras falam sobre importância
Quais os benefícios de ampliar a licença-paternidade, segundo estudos
No estudo realizado pelo Made-USP, que visa embasar o debate que agora ganha momento na Câmara dos Deputados, a licença-paternidade estendida é analisada considerando os efeitos dela sobre cinco aspectos:
os pais e mães no mercado de trabalho;
a divisão do trabalho doméstico e de cuidado nas famílias;
o vínculo entre pai e criança e o desenvolvimento infantil;
a fertilidade;
e o impacto para as empresas.
Mas antes, os pesquisadores analisam se os pais de fato usufruem da licença-paternidade remunerada estendida, quando ela é concedida.
"A resposta da literatura acadêmica a esta pergunta é que sim, contanto que o benefício seja direcionado unicamente aos homens, de forma intransferível às suas parceiras", escrevem Amanda Resende, Eslen Brito, Letícia Graça, José Bergamin e Luiza Nassif Pires, autores do estudo.
Na América Latina, por exemplo, embora a OIT (Organização Internacional do Trabalho) recomende ao menos 14 dias de licença-paternidade, apenas Cuba, Venezuela e Paraguai oferecem esse período.
Cuba possui uma licença parental compartilhada entre pai e mãe de até 365 dias mantendo 60% dos salários, enquanto Venezuela e Paraguai têm licenças-paternidade de 14 dias.
Mas, em Cuba, somente 124 homens reclamaram o direito à licença-paternidade entre 2003 e 2014, destacam os pesquisadores do Made. No Uruguai, 2,6% dos homens utilizaram a licença até 2015 e, no Chile, onde a licença também é parental (ou seja, compartilhada entre pai e mãe), foram apenas 0,2% dos homens.
Assim, a literatura traz evidências de que licenças-paternidade no formato "tire ou perca" – ou seja, intransferível para as mães, de forma que o casal perde o período de licença caso o pai não a solicite – foram mais efetivas em diversos países.
Efeitos para pais e mães no mercado de trabalho
Segundo os pesquisadores, a maioria dos trabalhos não encontra efeito significativo da licença-paternidade para os pais no mercado de trabalho.
Isso, segundo eles, indica que a licença não resulta em discriminação dos empregadores em relação aos pais, em redução de salários ou em impactos negativos na evolução de suas carreiras.
Já para as mulheres, o aumento do tempo de licença-paternidade tem impacto positivo sobre rendimentos, percentual de trabalhadoras formais e condição de ocupação, tanto no curto prazo (até três anos após o nascimento), como num prazo mais longo.
No entanto, esse feito se dilui ao longo do tempo, de modo que não há um impacto significativo na redução da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, ponderam os pesquisadores do Made-USP, com base na revisão bibliográfica.
Licença-paternidade não prejudica a carreira dos pais, beneficia a das mães, mas é insuficiente para reduzir o hiato de gênero, mostra a literatura acadêmica
Getty Images via BBC
Efeito sobre a divisão do trabalho doméstico e sobre o vínculo entre pai e criança
A maior parte da literatura encontra evidências de que a licença-paternidade é capaz de influenciar o comportamento dos homens, incentivando o aumento da participação masculina nas tarefas de cuidado das crianças, mas também nas tarefas domésticas em geral, inclusive no longo prazo, destacam os pesquisadores do Made-USP.
Além disso, diversos estudos feitos em contextos nacionais distintos — como Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega e Cingapura — convergem para demonstrar que o desenho da política de licença-paternidade, aliado à duração do tempo afastado e ao suporte institucional, influencia diretamente o grau de envolvimento dos pais com seus filhos.
Rodrigo Mieldazis, de 37 anos e gerente de crescimento de receitas na fabricante de bebidas Diageo, conta que viveu na prática essa experiência.
Desde 2019, a Diageo – dona de marcas como Smirnoff e Johnnie Walker – adota uma política de licença familiar, onde os pais têm direito a seis meses de licença-paternidade remunerada.
Pai de duas filhas – Alícia, de 4 anos, e Layla, de 11 meses –, Rodrigo pôde se beneficiar da licença estendida no nascimento da caçula.
"Num primeiro momento, tive uma divisão de pensamentos: por um lado, um certo nervoso de ficar tanto tempo fora, num momento de construção de time e de mudanças, deu um certo frio na barriga", lembra o profissional.
"Por outro lado, eu sabia que ia ser muito bom poder estar perto da minha filha, estar perto da minha família. E, no fim, foi isso que prevaleceu."
Rodrigo Mieldazis, de 37 anos e funcionário da Diageo, pôde usufruir de seis meses de licença-paternidade remunerada e viu seu vínculo com as duas filhas fortalecido
Arquivo pessoal via BBC
Rodrigo conta que, ao ter todo seu tempo dedicado a dividir o cuidado com as filhas durante aqueles seis meses, pôde entender muito melhor a carga de trabalho que é imposta às mulheres. Além disso, o período de licença serviu para ele desenvolver novas habilidades domésticas.
"Acho que eu sempre fui de alguma forma participativo, mas descobri que tenho alguns dons culinários durante esse período", conta.
"Assisti muitos vídeos do YouTube e aprendi bastante coisa. Então agora, embora não seja sempre que eu consiga, por conta da rotina de trabalho, sempre que eu posso, piloto o fogão e faço alguma coisa na cozinha."
O gerente conta ainda que, por conta da licença, viu seu vínculo com as filhas fortalecido.
"Minha relação com a mais velha era excelente e a gente criou um vínculo ainda maior, com momentos de brincadeira, de educação, de estar presente", diz Rodrigo.
"E, com a pequena, eu pude compartilhar esses momentos de cuidado. Ajudar a dar banho, estar presente, pegar ela durante a noite, fazer dormir, enfim. Acho que isso criou também um vínculo muito forte de carinho e amor. Não que, se eu estivesse trabalhando, não fosse criar, mas talvez demorasse um pouco mais."
Os estudos analisados pelo Made mostram que essa maior presença paterna possibilitada pela licença-paternidade está correlacionada com melhores resultados cognitivos para as crianças, melhora na performance escolar e promoção do desenvolvimento emocional e comportamental dos pequenos.
"O pai que tira uma licença-paternidade, e se envolve [no cuidado com a criança] ali nos primeiros 30 dias, vai continuar cuidando mais ao longo da vida dessa criança. Então, não é só uma mudança ali naqueles 30 dias", diz Luiza Nassif Pires, do Made.
Ela observa que os estudos também mostram que os pais que participam mais da criação dos filhos tendem a ser menos violentos com as crianças e as mulheres, então também há efeitos positivos para a redução da violência doméstica.
'O pai que tira uma licença-paternidade e se envolve ali nos primeiros 30 dias vai continuar cuidando mais ao longo da vida dessa criança', diz Luiza Nassif Pires, co-diretora do Made-USP
Divulgação/Made-USP via BBC
Efeito sobre a fertilidade
Os efeitos das licenças parentais sobre a fertilidade são relevantes num mundo com taxas de natalidade em queda. Isso resulta em populações envelhecidas e menor número de pessoas em idade ativa, que sustentam o desenvolvimento econômico e o sistema previdenciário dos países, observam os pesquisadores do Made.
Entre as causas das baixas taxas de fertilidade estão as desigualdades de gênero, sejam elas domésticas (por exemplo, a responsabilização desigual das mulheres pelas tarefas do lar e de cuidado dos filhos) ou estruturais (por exemplo, o efeito negativo da maternidade sobre os salários das mulheres, licenças insuficientes, escassez de creches e de redes de suporte, entre outros).
No entanto, alguns estudos mostram que uma oferta única de licença-paternidade não seria suficiente para elevar as taxas de fertilidade, principalmente em países mais ricos, onde as condições financeiras favoráveis e a alta participação feminina no mercado de trabalho tornariam as taxas de fertilidade menos sensíveis à política.
"Todavia, o achado mais interessante foi que, em países menos ricos e menos igualitários – como é o caso do Brasil –, a licença-paternidade se apresentava como fator impulsionador das taxas de fertilidade independentemente da taxa de participação feminina", destacam os economistas da USP.
"Os pesquisadores concluíram que esse resultado pode sugerir que políticas de licença reduzem inseguranças econômicas (mesmo em contextos de pobreza crônica) e que normas culturais de formação familiar podem se sobrepor a preocupações financeiras", acrescentam.
A bibliografia não mostra efeitos da licença-paternidade sobre a fertilidade em países mais ricos, mas há evidências de impacto no aumento das taxas em países mais pobres e menos igualitários — como é o caso do Brasil
Getty Images via BBC
Efeitos para as empresas
Por fim, os pesquisadores do Made-USP analisam o que a literatura diz sobre os efeitos da licença-paternidade para as empresas e encontram benefícios como a maior retenção de talentos, com a redução do número de demissões voluntárias.
Vivian Broge, vice-presidente de Relações Humanas e Marketing da Totvs, confirma esse efeito para a empresa de software, que desde agosto de 2022 adotou uma licença-paternidade ampliada de 40 dias, que podem ser usufruídos até oito meses após o nascimento ou adoção da criança.
Broge relata que, embora o usufruto da licença não seja obrigatório, 790 profissionais já requisitaram a extensão da licença desde a implementação da política. A Totvs tem hoje 12,4 mil funcionários.
"Quem solicita traz relatos muito importantes do impacto que isso trouxe para a família", diz a porta-voz da empresa.
Com a licença-paternidade estendida, aumenta o engajamento do colaborador, porque cresce a apreciação da família pela empresa, diz Vivian Broge, da Totvs
Divulgação/TOTVS via BBC
"Também aumenta o engajamento do colaborador, porque cresce a apreciação da família pela empresa", diz a executiva, acrescentando que a Totvs também passou a oferecer como benefício para seus funcionários com filhos o Teste da Bochechinha, um teste de rastreamento genético que investiga mais doenças do que o chamado Teste do Pezinho.
"Isso está em linha com o que a gente acredita, que é o cuidado integral da família, porque o vínculo familiar e a saúde são essenciais para que a pessoa possa estar inteira na vida e no trabalho."
Os benefícios observados pela empresa, porém, se dão num cenário em que poucas companhias no Brasil oferecem uma licença-paternidade tão extensa, o que pode deixá-las mais atraentes para trabalhadores homens.
Não está claro se essas vantagens (como retenção de talentos e redução nas demissões voluntárias) seriam mantidas se houvesse uma licença-paternidade universal e obrigatória para todas as empresas.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o aumento da licença-paternidade teria impactos negativos especialmente para micro e pequenas empresas.
Em sua Agenda Legislativa da Indústria de 2025, a CNI indicou ter ressalvas à proposta de ampliação da licença-paternidade para 15 dias.
"Embora a medida seja meritória, o aumento da licença-paternidade seria melhor tratado no âmbito do programa Empresa Cidadã, nos moldes da licença-maternidade, ou por meio de negociação coletiva, que permite atender às peculiaridades do caso concreto, respeitadas as necessidades de empregados e empregadores", argumentou a CNI em seu documento.
"A ausência ao trabalho de um empregado pode assinalar sensível redução da mão de obra, em especial para as micro e pequenas empresas, principais empregadoras", pondera a entidade representativa da indústria.
Para a CNI, extensão da licença-paternidade pode gerar dificuldades especialmente para as pequenas e médias empresas, que são as maiores empregadoras do país
Agência de Notícias da Indústria via BBC
Luiza Nassif Pires, do Made-USP, destaca ainda uma limitação das políticas de licença-paternidade: elas atendem apenas aos trabalhadores formais.
Assim, na visão da pesquisadora, seria desejável que a política fosse desvinculada da contribuição previdenciária e garantida pelo Estado a todos os trabalhadores, a fim de reduzir as assimetrias de gênero.
Além disso, a licença-paternidade não pode ser uma política isolada, defende a professora da Unicamp.
"É preciso uma continuidade, porque um dos problemas que observamos é a chamada 'penalidade da maternidade', que é a quebra na trajetória profissional das mulheres quando elas se tornam mães", diz Nassif-Pires.
"Então, não é só o envolvimento ali no primeiro momento do pai, mas também, por exemplo, creches públicas, escolas de tempo integral. É, de fato, criar essa responsabilidade [pelo cuidado] que também envolve um papel maior do Estado."
Por que o STF determinou que o Congresso regulamentasse a licença-paternidade?
Desde 1988, a Constituição Federal garante o direito à licença-paternidade. Segundo a Carta Magna, essa licença seria de cinco dias, enquanto não fosse aprovada lei regulamentando o direito.
Em dezembro de 2023, passados 35 anos da promulgação da Carta, o STF determinou que o Congresso teria 18 meses para suprir sua omissão legislativa quanto à regulamentação.
"A regra provisória que dá licença-paternidade de cinco dias até que a lei seja criada não resolve o problema", consideraram os ministros, à época.
"Essa norma foi criada para ser temporária e não é adequada para proteger os filhos e a família nem para garantir a igualdade entre homens e mulheres, considerando a mudança dos papéis de homens e mulheres na família e na sociedade."
Em dezembro de 2023, o STF determinou que o Congresso teria 18 meses para regulamentar o direito à licença-paternidade, conforme previsto na Constituição
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil via BBC
A decisão foi tomada no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
À época, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, propôs que, caso a omissão persistisse passado o prazo de 18 meses, o direito à licença-paternidade deveria ser equiparado à licença-maternidade – que atualmente tem duração de 120 dias (4 meses), que podem ser estendidos para 180 dias (6 meses) para empresas participantes do Programa Empresa Cidadã.
Mas, por fim, os ministros do STF estabeleceram que, se o Congresso não legislasse ao final de 18 meses, caberia ao Supremo fixar o período de licença.
O prazo de 18 meses estabelecido pelo STF terminou em 8 de julho.
Em que pé está o tema no Congresso e o que acontece agora
Atualmente, 50 projetos sobre licença-paternidade tramitam na Câmara e outros sete no Senado, segundo um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a pedido da BBC News Brasil.
O projeto que teve a urgência aprovada em 16 de julho, de autoria da ex-senadora Patrícia Saboya (PDT/CE), é o mais antigo e tramita com mais de 100 propostas apensadas, que incluem projetos com temas iguais ou correlatos, como licença-maternidade, por exemplo.
Quando o projeto tramita dessa forma, a tramitação passa a considerar todos os projetos como um conjunto, podendo resultar em um substitutivo — um novo texto que incorpora partes dos projetos apensados.
Em 2023, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho sobre o tema, presidido pela deputada Tábata Amaral (PSB-SP).
Esse grupo de trabalho da Câmara gerou um projeto de lei, que prevê a extensão da licença-paternidade no Brasil para 30 dias nos primeiros dois anos de vigência da lei; 45 dias no terceiro e quarto ano; 60 dias após quatro anos da legislação em vigor; e 120 dias em casos de ausência da figura materna na família — esse é o projeto apoiado pelas organizações da sociedade civil reunidas na CoPai.
Pela proposta, o custo da licença seria arcado pelas empresas e posteriormente compensado pela Previdência, como acontece com a licença-maternidade.
No projeto, o custo com a licença de 30 dias é estimado em R$ 3,7 bilhões por ano, inicialmente, chegando a R$ 5,8 bilhões por ano com 60 dias de afastamento.
Em 2024, foi criada uma Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade, presidida por Tábata Amaral, com a senadora Damares Alves (do Republicanos-DF e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos durante o governo de Jair Bolsonaro) como vice-presidente.
"Isso indica ser um tema de abrangência ideológica muito grande", considera Rodolfo Canônico, diretor-executivo da ONG Family Talks e co-fundador da CoPai.
Em 2024, foi criada a Frente Parlamentar Mista pela Licença Paternidade, presidida por Tábata Amaral, com a senadora Damares Alves como vice-presidente
Secretaria da Mulher/Câmara dos Deputados via BBC
No Senado, um outro projeto, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), também avança. A proposta foi aprovada em julho de 2024 pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), na forma de um substitutivo apresentado pela senadora Damares Alves.
O texto de Damares tem conteúdo similar ao proposto por Tábata na Câmara, prevendo uma licença inicial de 30 dias, ampliada gradualmente até 60 dias.
Atualmente, o projeto aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, sob relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
O STF pode deliberar sobre a licença-paternidade na volta do recesso do judiciário, em agosto. Mas, para Rodolfo Canônico, da CoPai, o ideal é uma legislação debatida e votada pelo Congresso
Arquivo pessoal via BBC
Segundo Canônico, diante da aprovação da urgência na Câmara para o projeto que estende a licença-paternidade para 15 dias, a estratégia das organizações da sociedade civil que defendem um prazo maior será trabalhar junto ao relator, deputado Pedro Campos (PSB-PE), pela aprovação de um substitutivo.
"A ideia é construir, junto com o governo e com os líderes partidários, um prazo que seja conforme aos anseios da sociedade, e por isso vamos trabalhar para que o prazo mínimo previsto neste substitutivo seja de 30 dias", diz o porta-voz da CoPai.
Caso seja aprovado um substitutivo, o texto ainda voltará para deliberação do plenário do Senado Federal, que poderá aceitar o texto da Câmara, ou manter o texto aprovado no Senado.
Outro caminho seria a deliberação sobre o tema pelo STF, o que é possível devido ao vencimento do prazo dado ao Congresso para regulamentação.
"Mas o cenário ideal para nós é que haja uma legislação debatida, votada e construída a partir da representatividade, que é o que deve acontecer no Congresso", diz o representante da sociedade civil.
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