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Mãe atípica transforma experiência do maternar em propósito de vida ao lutar por inclusão e acessibilidade

Mãe atípica transforma experiência do maternar em propósito de vida ao lutar por inclusão e acessibilidade
Aline Queiroz Marcelino descobriu os diagnósticos do filho após muita pesquisa por conta própria e inúmeras conversas com profissionais, em Presidente Prudente (SP). Aline Marcelino e seus dois filhos, Mateus e Rafaela
Arquivo pessoal
“Receber os diagnósticos do meu filho, para mim, foi uma ruptura, um misto de sentimentos”, conta Aline Queiroz Marcelino, que é moradora de Presidente Prudente (SP) e teve o filho Mateus diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 10 anos.
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O processo de investigação do TEA durou cerca de seis anos. Ao longo dos exames e avaliações, Mateus também foi diagnosticado com Altas Habilidades, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) combinado, e disgrafia — transtorno caracterizado por dificuldades na formação de letras, organização e legibilidade.
“O primeiro filho vem com muita expectativa e sonhos, que nós mesmas criamos em relação a ele, e o diagnóstico faz com que essa expectativa criada seja frustrada, tendo nós, mães atípicas, que reconstruir esses sonhos da forma que hoje eu entendo ser a forma correta: reconstruir sonhos e expectativas conforme o propósito de Deus para seu filho, e não sonhar sonhos que são meramente seus”, afirma Aline ao g1.
A mãe lembra que começou a observar o comportamento do filho de forma mais atenta e técnica por volta dos três ou quatro anos, quando a escola passou a enviar bilhetes relatando dificuldades do dia a dia. Fase que lhe tirou o sono por diversas vezes.
“Desde bebê, eu achava ele muito agitado, mas, como somos agitados na família, eu não dei muita importância. Comecei a me preocupar mais na escola, quando ele tinha três ou quatro anos, com as várias reclamações e bilhetes que diziam que ele não obedecia, que ele não parava sentado, que tinha um comportamento diferente na hora das brincadeiras com as outras crianças. Foi quando eu pedi para a escola encaminhá-lo a algum profissional devido à quantidade de reclamações”, compartilha ela.
Mateus desenvolveu algumas habilidades mais cedo que outras crianças
Arquivo pessoal
O diagnóstico de autismo levou anos para ser confirmado porque Mateus apresentava algumas habilidades desenvolvidas precocemente — características que, à primeira vista, não costumam estar associadas ao TEA. Esse cenário, somado à complexidade do presente e à incerteza sobre o futuro, trouxe à tona sentimentos intensos, com os quais Aline precisou aprender a conviver.
“Vários sentimentos se misturam, de preocupação, de tristeza, mas também de resiliência, de força, porque pensamos: ‘Estou sofrendo mas não posso desistir. Tenho que lutar por ele’”, descreve.
“Começamos investigando um possível TDAH, que é algo muito comum na minha família. Os profissionais ficaram com muita dúvida, se era somente o TDAH ou se também havia o autismo, porque o Mateus tinha algumas habilidades adquiridas mais cedo que as outras crianças e que geralmente não ocorrem no autismo, como, por exemplo, andar e falar perfeitamente aos 10 meses. Então, para fechar o diagnóstico de autismo, foi somente aos 10 anos, com muita pesquisa da minha parte e inúmeras conversas com os profissionais”, relembra a mãe.
Descobertas e sentimentos
Com os diagnósticos confirmados, tiveram início os tratamentos. No começo, Aline precisou levar o filho regularmente a pelo menos cinco profissionais diferentes e, como mãe, teve de aprender a lidar com mais um processo inesperado e novo, assim como com os sentimentos que a fase despertava.
“O tratamento do autismo é multiprofissional e depende muito de cada pessoa, já que é um espectro, então, cada pessoa autista vai precisar de profissionais conforme a sua necessidade”, explica Aline.
“No caso do Mateus, que no início era [autismo de] suporte dois, íamos em um psicólogo, uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional, uma neuropediatra e um pediatra. Hoje, ele evoluiu imensamente, está muito independente, tanto na escola como em casa, e socialmente. Agora, com ele aos 15 anos e com o autismo [de] suporte um, continuamos apenas com a neuropediatra e com um psicólogo. Com a maturidade, ele vai criando estratégias para conviver com o TDAH, mas ele também faz uso de medicamentos quando necessário”, detalha ao g1.
Mateus, aos 15 anos, possui autismo de suporte 1 e 'evoluiu imensamente'
Arquivo pessoal
Aceitação e inclusão
A mãe relata que os desafios da maternidade atípica são inúmeros, começando pela dificuldade de aceitação dentro da própria família.
“Os desafios são muitos. Começando pela aceitação, principalmente da família, que é um lugar [em] que achamos que vamos receber conforto e apoio, por muitas vezes, recebemos julgamento e críticas”, expõe ela.
“Outro desafio é a escola. Acho que é o lugar que mais nos consome e nos desgasta emocionalmente como mãe. Porque, infelizmente, as escolas não estão prontas para a inclusão, e, o pior, muitas vezes não estão dispostas a receber de forma digna o seu filho, e isso causa transtornos tanto para nós mães como para o filho. Transtornos que são difíceis de reparar, como o bullying, a violência institucional — por parte da coordenação e professores”, expressa a mãe.
“São crises sem fim. E nós, mães atípicas, temos que passar por tudo isso, vendo seu filho sofrer e, muitas vezes, sentir-se impotente diante dessas situações. E ainda sendo o único lugar de consolo, colo e amor para seu filho. É se fazer forte para ele, mesmo se sentindo fraca e solitária”, desabafa ao g1.
Evoluções que alegram
Aline também é mãe da Rafaela, de 11 anos, e acredita que as alegrias da mãe atípica são diferentes das vividas na maternidade tradicional. No caso do Mateus, ela encontra satisfação nas pequenas evoluções do dia a dia.
“Acho que as alegrias da mãe atípica são bem diferentes das mães típicas, mas ambas com muito valor. Para nós, a alegria está na simples evolução diária. Lembro quando o Mateus conseguiu fazer uma apresentação de Dia das Mães inteira, cantando a música sem ficar olhando para o teto ou de costas. Lembro quando ele fez um único amigo, algo que para nós mães de autistas é emocionante! Lembro quando ele foi convidado para um aniversário, agora na fase da adolescência na escola nova, e quando ele, há duas semanas, recebeu colegas da escola para um trabalho em grupo e me disse: 'Não são colegas, são amigos'. Essas coisas que parecem simples fazem mães como nós, atípicas, se emocionarem”, descreve Aline.
“O maior medo das mães atípicas é: 'E quando eu não estiver mais aqui?' Então, hoje, penso que o ser mãe é a busca contínua do equilíbrio entre o cuidar e proteger, e o deixar ir. Isso tanto para a mãe típica como atípica, já que sou as duas. É você saber quando cuidar, quando proteger, quando colocar ‘embaixo da asa’, quando dar colo, mas também saber a hora de impulsionar, incentivar, deixar fazer sozinho, preparar os filhos para viverem sem precisar de você. E olhar pra eles e pensar: ‘Eu consegui! Não precisam mais de mim, são independentes!’”, afirma ela.
Propósito que transforma
A experiência da maternidade atípica transformou profundamente a vida de Aline, moldando suas perspectivas e atitudes de maneira significativa. Hoje, aos 44 anos, ela se dedica aos estudos em psicopedagogia e na Língua Brasileira de Sinais (Libras). Convicta de que foi chamada para essa missão, ela se empenha em apoiar outras mães e pessoas que enfrentam desafios semelhantes.
Com a maternidade atípica, Aline decidiu estudar psicopedagogia e Libras
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Ela também fundou um ministério de inclusão na igreja que frequenta, reunindo outras mulheres para integrar o movimento. A iniciativa oferece suporte a pessoas com deficiências ou transtornos que participam da comunidade e busca promover melhorias na inclusão e acessibilidade nas atividades da instituição.
“Ser mãe atípica realmente me mostrou uma outra realidade e me fez abrir a visão de mundo e de vivências, de famílias e suas necessidades. Um dia eu recebi um chamado, quando em um texto da Bíblia, percebi que Jesus nos entendia completamente porque passou pelos mesmos sofrimentos que nós passamos. E isso foi um marco, onde cheguei à conclusão de que as minhas feridas e lutas como mãe atípica podem ajudar a curar e dar suporte a outras mães e famílias atípicas. Podem diminuir a dor, os traumas e até mesmo apoiar e amar famílias atípicas”, relata a mãe ao g1.
Aline fundou um ministério de inclusão na igreja que frequenta
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“Então, hoje, tenho o objetivo de construir um ambiente inclusivo para famílias atípicas na igreja que frequento. Pensando que lá as pessoas atípicas e suas famílias possam encontrar não só um lugar de acolhimento espiritual, mas também social e pessoal. Um lugar onde as suas necessidades específicas possam ser respeitadas e consideradas importantes. Então, eu e outras mulheres formamos uma equipe para inclusão e nos preparamos para receber todos independentemente da atipicidade. Trabalhamos também com a conscientização dos membros da igreja, adolescentes e crianças”, esclarece.
Ela acredita que o diálogo e a disseminação do conhecimento são as chaves para derrubar barreiras e superar preconceitos. Enquanto esse futuro se constrói, a estudante e mãe se dedica à transformação do ambiente onde está inserida.
“No ministério de inclusão, acreditamos que uma consciência inclusiva deve ser construída através de muita conversa, e o preconceito e o capacitismo desconstruídos. Acreditamos que o diálogo e o conhecimento quebram barreiras”, expressa.
“Nós estamos com um novo desafio: queremos que a comunidade surda tenha o direito de desfrutar dos nossos cultos e atividades de forma completa do jeito que ela precisa. Estamos nos preparando, estudando bastante e estruturando a igreja”, conta Aline.
“A inclusão não é um favor, mas, sim, um dever de toda a sociedade”, conclui a mãe.
Aline promove ações de inclusão e luta por acessibilidade na igreja que frequenta
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