Inimigos do presencial: por que tantos profissionais preferem se demitir a deixar o home office?

Ministério do Trabalho aponta que a dificuldade de mobilidade entre casa e trabalho é um dos principais motivos para demissões voluntárias. Além disso, trabalhadores ouvidos pelo g1 destacam o medo da violência, a falta de tempo para se qualificar, entre outros fatores. Por que tantos profissionais preferem se demitir a deixar o home office?
Quando o relógio marcava 6h, Rael Souza, morador de Santo André (SP), já estava pronto para mais um dia de trabalho. A ida e volta até ao escritório, na zona sul de São Paulo, incluía uma caminhada de 20 minutos, dois ônibus, dois trens e dois metrôs. Quase 5h de deslocamento por dia, cinco dias por semana.
O jovem profissional de TI trabalhava remotamente até o ano passado, mas sua empresa foi adquirida por outra, que exigia o presencial no escritório. Em quatro meses, ele preferiu pedir demissão e passar a atuar como motorista de aplicativo.
"Era desgastante. Não tinha tempo para me cuidar e já chegava cansado no trabalho, o que afetou a minha produtividade. Não via perspectiva e repensei minha carreira."
Após a retomada ao presencial, Rael Souza pediu demissão sem ter nenhum outro emprego na manga
Arte/g1
A história de Rael é um retrato, entre tantos outros, de tendências que imperam sobre o mercado de trabalho: a retomada do presencial e a queda na oferta de vagas home office. O g1 mostrou o fenômeno em reportagem de fevereiro.
Em paralelo, o mercado de trabalho brasileiro está em franco aquecimento, o que favorece a mobilidade de emprego. Assim como Rael, quase 8,5 milhões de trabalhadores deixam seus empregos de forma voluntária em 2024.
O Ministério do Trabalho realizou uma pesquisa com 53.692 desses demissionários, e revelou que o fim do trabalho remoto pode ter influenciado para que os profissionais tenham deixado o emprego.
Abaixo, confira algumas respostas:
❌ 15,7% citaram a falta de flexibilidade da jornada.
? 21,7% mencionaram dificuldade de mobilidade entre casa e trabalho.
? 9,1% apontaram a necessidade de cuidar de crianças ou outros membros da família.
Além disso, um levantamento com 3,5 mil profissionais de todo o mundo mostrou que 33% dos executivos que tiveram que voltar ao escritório estão pensando em deixar suas empresas por causa disso. O estudo foi realizado pela Gartner, uma empresa de pesquisa em recursos humanos.
Problemas com mobilidade, como tempo de viagem e lotação, não são os únicos fatores que têm contribuído para a impopularidade do presencial.
Medo de assaltos, importunação sexual, falta de tempo para se qualificar, e cuidar da saúde e passar mais tempo com colegas de trabalho do que com a própria família são outras motivações que levaram profissionais entrevistados pelo g1 a rejeitarem empregos presenciais, mesmo que isso significasse perdas financeiras.
A seguir, conheça a história desses trabalhadores e entenda mais sobre o tema a partir dos seguintes pontos:
? 'O presencial é um inferno'
? Salário emocional
? O que dizem as empresas?
?? Home office em 'extinção'
? É possível um consenso?
O g1 conversou com profissionais que preferem se demitir a deixar o home office
Arte/g1
? 'Presencial é um inferno'
Mesmo com formação em Mecânica, Tecnologia da Informação e pós-graduação em Psicologia Organizacional e Gestão de Projeto, a mudança abrupta para o trabalho presencial levou Rael a pedir demissão para atuar temporariamente como motorista de aplicativo.
A ideia é juntar o valor necessário para custear uma viagem para Austrália, onde ele pretende ficar um tempo até aprimorar o inglês e aumentar sua experiência profissional.
"Também busco qualidade de vida, coisa que eu não estava tendo", afirma Rael, que admite que seus planos podem mudar apenas se conseguir uma oportunidade remota.
A lotação do transporte público é uma das queixas mais comuns entre trabalhadores presenciais. Com cada vez mais empresas retornando aos escritórios, a tendência é de piora, já que o número de usuários tem aumentado gradualmente.
Um levantamento feito pelo g1 mostra que o número de usuários nos trens, metrôs e ônibus da capital paulista tem voltando a patamares próximos ao pré-pandemia.
Média diária de passageiros em SP
g1
Multidão de passageiros se aglomera na Estação da Luz da CPTM, na região central de São Paulo, após os transtornos causados pelo temporal que atingiu a cidade na tarde desta sexta-feira, 24. A CPTM registrou interrupção da circulação de trens em trechos de diversas linhas em razão dos alagamentos provocados pela chuva
ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O diagnóstico reúne dados da Secretaria dos Transportes de São Paulo, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e da SPtrans.
Os exemplos são muitos. Luciano Freitas ocupava um cargo de liderança dentro de uma startup, mas optou pela demissão — mesmo sem outro emprego na manga — após enfrentar problemas com o modelo presencial de trabalho.
"2h30. Foi o tempo que levei para chegar em casa numa noite de chuva: trem, metrô e ônibus lotado (...) No dia seguinte, pedi demissão sem outro emprego, sem grande reserva de dinheiro, só exausto da insanidade que é a cultura presencial a qualquer custo'", desabafa.
Michelle Barbosa, recrutadora de tecnologia, é outra profissional que descarta voltar ao trabalho 100% presencial, mesmo sob a promessa de aumento salarial.
'"Conheci o céu [trabalho remoto] e isso tirou a venda dos olhos. Mostrou que é possível ter uma vida além do trabalho. Não tem como voltar ao inferno.
O desabafo de Michelle pode ser visto como um exagero para alguns, mas é resultado de diversas experiências negativas que ela teve ao longo de seus mais de 20 anos de modelo presencial. Moradora de Mauá (SP), ela gastava muito tempo com locomoção.
Michele Barbosa fez uma transição de carreira continuar no modelo de trabalho remoto
Arte/g1
O sentimento de insegurança é uma preocupação comum. Uma pesquisa do Datafolha com mais de 2 mil pessoas mostra que 86% delas se sentem inseguras nas ruas de suas cidades.
O medo entre mulheres vai além da violência nas ruas. Um levantamento da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) com 3,5 mil pessoas em 10 capitais mostrou que 3 em cada 4 mulheres já sofreram assédio, sendo que 51% desses casos ocorreram dentro de transportes públicos.
Em 2023, pelo menos um caso de importunação sexual foi registrado no transporte público da capital paulista a cada 14 horas, segundo Secretaria da Segurança Pública (SSP).
? Embora trabalhadores remotos também estejam suscetíveis à criminalidade em momentos fora da jornada ou percurso ao trabalho, passar mais tempo em casa pode transmitir a sensação de proteção para muitos deles.
Michele também recorda das vezes em que ficou ilhada em enchentes, fazendo o retorno para a casa fosse ainda mais demorado. Por ter passado tanto tempo fora de casa, ela ainda guarda o sentimento de não ter sido uma mãe tão presente.
"Eu saia de casa sem ter a segurança de voltar (...) o presencial me ausentava em casa. Defendem tanto a relação corporativa, o quanto ela é importante para aumentar a produtividade, mas eu não tinha contato nem com a minha própria família", lamenta.
Volte ao índice.
? Salário emocional
A carreira de Michele mudou para o sistema remoto durante a pandemia da Covid-19. Sabendo que a empresa poderia voltar ao escritório após a flexibilização das medidas protetivas, ela aproveitou para fazer uma transição de carreira que permitisse continuar trabalhando de casa.
"Foi quando eu olhei para a área de TI. Me preparei, fiz cursos para entender esse universo. Agora, minha vida vai além do trabalho. Terminei a jornada? Fecho o computador, tomo um banho e vivo."
"Como melhor e me exercito. Perdi 11 kg depois que comecei a trabalhar em casa. Sou uma profissional melhor. Me especializei e melhorei meu inglês. Tenho mais tempo em família e vejo o meu neto crescer", diz Michele, que também atribui ao remoto a liberdade para viajar mais.
Rotina saudável e mais tempo com a família são vantagens que o home office proporcionou para Michele Barbosa
Michele Barbosa/ Arquivo Pessoal
Luciano Freitas, agora diretor de marketing, também enfatiza a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar e a facilidade para resolver situações simples, que no presencial são repletas de burocracias.
"No presencial, você precisa de 10 pessoas para receber a autorização para se ausentar por 1h para ir ao médico. É um sistema medieval (...) Entendo que certas áreas não têm essa possibilidade, mas a política devia ser: estar ou não no escritório, estou entregando resultados."
ℹ️ Os relatos dos profissionais ouvidos pelo g1, que refletem a opinião de muitos que se manifestam contra o retorno 100% presencial, são consequência de uma mudança no conceito de prioridades entre os trabalhadores, explica a mestre em educação e trabalho Taís Targa.
"A pandemia fez com que muitos profissionais repensassem suas carreiras e modo de vida. É um movimento de ênfase ao salário emocional, que é intangível. Quanto vale para você morar perto dos pais, ser presente na vida de seus filhos, almoçar uma comida caseira?", explica.
⚠️ O conceito de salário emocional se refere aos benefícios intangíveis que melhoram a qualidade de vida dos funcionários, como a proximidade da família, a flexibilidade de horários e a redução do estresse.
Segundo Tais, muitos profissionais estão dispostos a abrir mão de cargos executivos e salários elevados em troca de uma melhor qualidade de vida.
"Com esse retorno ao presencial abrupto e radical, vemos uma onda de pedidos de demissão por parte de profissionais que desejam continuar no remoto. Pior, o retorno a contragosto ao presencial pode resultar em insatisfação e queda na entrega."
Por outro lado, empresas que mantêm o modelo remoto de trabalho tendem a ter vantagem competitiva na retenção e contratação de talentos, pontua a especialista.
Luciano Freitas pediu demissão após enfrentar dificuldades com a mobilidade até o trabalho
Arte/g1
Volte ao índice.
? O que dizem as empresas?
A Atlantic Tax & Advisory, localizada em Niterói (RJ), destaca as vantagens de manter o home office após o fim das restrições da pandemia. A decisão permitiu a contratação de talentos de diferentes, como a Bahia e a região Serrana do Rio de Janeiro.
A transição para o trabalho remoto foi bem-sucedida e resultou em um aumento na produtividade, segundo o CEO da empresa, Daniel Pires.
"Muito disso porque nossos colaboradores melhoraram a qualidade de vida. Esse, portanto, passou a ser um foco e aderimos à semana de 4 dias".
No QuintoAndar, startup de aluguel e venda de imóveis, a continuidade do home office abrange 100% da área de tecnologia. Nos demais setores, apenas 6% vão ao escritório diariamente, enquanto a maioria trabalha de forma híbrida.
Déborah Abi-Saber, VP de People da startup, também afirma que a continuidade da política impactou a retenção de talentos e a promoção da diversidade. "A ausência de barreiras físicas permitiu a contratação de talentos de qualquer lugar do país, resultando em equipes diversas".
Já a Dale, agência de comunicação integrada, viu o seu faturamento crescer ao atrair clientes de outras regiões, consolidando-se como uma referência em comunicação corporativa.
"Com uma equipe diversa e com diferentes contextos culturais, elevamos a nossa criatividade. Isso impactou no nosso crescimento, já que atraímos novos clientes. Passamos a olhar para um mercado além da região onde estamos", afirma Marcelo Rouco.
Devido aos bons resultados, a empresa também implementou o "Anywhere Office", modelo de trabalho que permite trabalhar de qualquer lugar do mundo.
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?? Home office em 'extinção'
Acontece que nem todo mundo colheu os bons frutos do trabalho remoto, como mostra em detalhes a reportagem de fevereiro do g1. Essa é a realidade de empresas que decidiram proibir ou reduzir drasticamente os dias de home office, como a Amazon e a Dell, gigantes da tecnologia.
Esse declínio é visto em números. Um levantamento da consultoria imobiliária JLL mostra que a taxa de vacância de imóveis comerciais (ou seja, de unidades disponíveis para locação) diminuiu gradativamente, voltando a patamares ainda menores que o momento pré-pandemia.
Taxa de vacância em SP
g1
Ofertas de emprego por modalidade
g1
O "êxodo remoto" também é notado em plataformas de recrutamento, como a Gupy. A empresa registra cada vez menos oportunidades de trabalho remoto, enquanto as vagas presenciais ou híbridas estão em alta.
A insegurança quanto à produtividade é o principal motivo para algumas empresas abandonarem o teletrabalho, segundo Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
Um levantamento realizado pela Mercer Brasil revelou as impressões dos gestores sobre o sistema remoto. Dos 365 profissionais de RH entrevistados:
? 76% citam ter insegurança sobre a produtividade no sistema remoto;
? 66% mencionam excesso de reuniões.
? 51% têm dificuldade em acompanhar iniciantes.
?? 61% apontam a liderança como um desafio.
? 52% consideram a cultura organizacional um impeditivo.
Apesar disso, a presidente da ABRH ressalta que os problemas apontados têm origem em outras falhas dentro das organizações, como:
⚠️ Planejamento falho por parte da liderança: falta de uma estratégia bem definida pode comprometer a eficiência do trabalho remoto;
⌚ Falta de maturidade por parte dos funcionários: os colaboradores podem não estar preparados para gerenciar seu tempo e tarefas de forma autônoma;
?♀️️ Perfil de negócio que depende muito da integração entre funcionários: empresas que necessitam de uma colaboração intensa e constante entre equipes podem encontrar desafios no modelo remoto.
Volte ao índice.
? É possível um consenso?
A competição para saber qual é o melhor modelo de trabalho é frequente e quase sempre acompanhada de troca de farpas nas redes sociais.
Luciano acredita que a polêmica está ao conflito entre gerações, que influencia na aceitação das opiniões. Para ele, pessoas mais velhas são mais ouvidas do que os jovens da geração Z, que expressam mais descontentamento com os modelos tradicionais de trabalho.
"O gestor pode pensar: como uma pessoa sem a experiência que eu tenho questiona a modalidade de trabalho que eu sempre tive e funcionou? Criamos chefes autoritários. O problema não está no presencial. É preciso que as lideranças ouçam os funcionários", afirma Luciano.
Compreensão mútua, uma liderança atualizada, foco genuíno na produtividade e no bem-estar dos colaboradores também são conselhos de Tais, mestre em trabalho. Identificar por que determinado modelo não funcionou e entender o que se passa com os colaboradores são passos essenciais.
"Como muitas empresas aderiram ao remoto por necessidade, boa parte falhou em manter uma boa comunicação e não conseguiu se atualizar em termos de ferramentas para manter o time coeso e produtivo", explica Taís.
Ela também pontua que classificar a resistência ao retorno presencial como "mero capricho" não é saudável, já que muitos trabalhadores têm argumentos fortes para tal opinião. O mesmo vale para empresas onde o remoto realmente não é viável.
"Não dá para julgar, mas creio que muitas empresas que retornaram ao presencial poderiam ao menos ter uma rotina de trabalho híbrido. Isso seria benéfico, não só para os colaboradores, mas para a empresa que teria uma oferta de salário emocional", conclui Taís.
Volte ao índice.
Profissionais explicam os motivos por rejeitarem empregos presenciais
Arte/g1
'Workation': conheça a tendência que une viagem de lazer ao trabalho
Quando o relógio marcava 6h, Rael Souza, morador de Santo André (SP), já estava pronto para mais um dia de trabalho. A ida e volta até ao escritório, na zona sul de São Paulo, incluía uma caminhada de 20 minutos, dois ônibus, dois trens e dois metrôs. Quase 5h de deslocamento por dia, cinco dias por semana.
O jovem profissional de TI trabalhava remotamente até o ano passado, mas sua empresa foi adquirida por outra, que exigia o presencial no escritório. Em quatro meses, ele preferiu pedir demissão e passar a atuar como motorista de aplicativo.
"Era desgastante. Não tinha tempo para me cuidar e já chegava cansado no trabalho, o que afetou a minha produtividade. Não via perspectiva e repensei minha carreira."
Após a retomada ao presencial, Rael Souza pediu demissão sem ter nenhum outro emprego na manga
Arte/g1
A história de Rael é um retrato, entre tantos outros, de tendências que imperam sobre o mercado de trabalho: a retomada do presencial e a queda na oferta de vagas home office. O g1 mostrou o fenômeno em reportagem de fevereiro.
Em paralelo, o mercado de trabalho brasileiro está em franco aquecimento, o que favorece a mobilidade de emprego. Assim como Rael, quase 8,5 milhões de trabalhadores deixam seus empregos de forma voluntária em 2024.
O Ministério do Trabalho realizou uma pesquisa com 53.692 desses demissionários, e revelou que o fim do trabalho remoto pode ter influenciado para que os profissionais tenham deixado o emprego.
Abaixo, confira algumas respostas:
❌ 15,7% citaram a falta de flexibilidade da jornada.
? 21,7% mencionaram dificuldade de mobilidade entre casa e trabalho.
? 9,1% apontaram a necessidade de cuidar de crianças ou outros membros da família.
Além disso, um levantamento com 3,5 mil profissionais de todo o mundo mostrou que 33% dos executivos que tiveram que voltar ao escritório estão pensando em deixar suas empresas por causa disso. O estudo foi realizado pela Gartner, uma empresa de pesquisa em recursos humanos.
Problemas com mobilidade, como tempo de viagem e lotação, não são os únicos fatores que têm contribuído para a impopularidade do presencial.
Medo de assaltos, importunação sexual, falta de tempo para se qualificar, e cuidar da saúde e passar mais tempo com colegas de trabalho do que com a própria família são outras motivações que levaram profissionais entrevistados pelo g1 a rejeitarem empregos presenciais, mesmo que isso significasse perdas financeiras.
A seguir, conheça a história desses trabalhadores e entenda mais sobre o tema a partir dos seguintes pontos:
? 'O presencial é um inferno'
? Salário emocional
? O que dizem as empresas?
?? Home office em 'extinção'
? É possível um consenso?
O g1 conversou com profissionais que preferem se demitir a deixar o home office
Arte/g1
? 'Presencial é um inferno'
Mesmo com formação em Mecânica, Tecnologia da Informação e pós-graduação em Psicologia Organizacional e Gestão de Projeto, a mudança abrupta para o trabalho presencial levou Rael a pedir demissão para atuar temporariamente como motorista de aplicativo.
A ideia é juntar o valor necessário para custear uma viagem para Austrália, onde ele pretende ficar um tempo até aprimorar o inglês e aumentar sua experiência profissional.
"Também busco qualidade de vida, coisa que eu não estava tendo", afirma Rael, que admite que seus planos podem mudar apenas se conseguir uma oportunidade remota.
A lotação do transporte público é uma das queixas mais comuns entre trabalhadores presenciais. Com cada vez mais empresas retornando aos escritórios, a tendência é de piora, já que o número de usuários tem aumentado gradualmente.
Um levantamento feito pelo g1 mostra que o número de usuários nos trens, metrôs e ônibus da capital paulista tem voltando a patamares próximos ao pré-pandemia.
Média diária de passageiros em SP
g1
Multidão de passageiros se aglomera na Estação da Luz da CPTM, na região central de São Paulo, após os transtornos causados pelo temporal que atingiu a cidade na tarde desta sexta-feira, 24. A CPTM registrou interrupção da circulação de trens em trechos de diversas linhas em razão dos alagamentos provocados pela chuva
ROBERTO SUNGI/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O diagnóstico reúne dados da Secretaria dos Transportes de São Paulo, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e da SPtrans.
Os exemplos são muitos. Luciano Freitas ocupava um cargo de liderança dentro de uma startup, mas optou pela demissão — mesmo sem outro emprego na manga — após enfrentar problemas com o modelo presencial de trabalho.
"2h30. Foi o tempo que levei para chegar em casa numa noite de chuva: trem, metrô e ônibus lotado (...) No dia seguinte, pedi demissão sem outro emprego, sem grande reserva de dinheiro, só exausto da insanidade que é a cultura presencial a qualquer custo'", desabafa.
Michelle Barbosa, recrutadora de tecnologia, é outra profissional que descarta voltar ao trabalho 100% presencial, mesmo sob a promessa de aumento salarial.
'"Conheci o céu [trabalho remoto] e isso tirou a venda dos olhos. Mostrou que é possível ter uma vida além do trabalho. Não tem como voltar ao inferno.
O desabafo de Michelle pode ser visto como um exagero para alguns, mas é resultado de diversas experiências negativas que ela teve ao longo de seus mais de 20 anos de modelo presencial. Moradora de Mauá (SP), ela gastava muito tempo com locomoção.
Michele Barbosa fez uma transição de carreira continuar no modelo de trabalho remoto
Arte/g1
O sentimento de insegurança é uma preocupação comum. Uma pesquisa do Datafolha com mais de 2 mil pessoas mostra que 86% delas se sentem inseguras nas ruas de suas cidades.
O medo entre mulheres vai além da violência nas ruas. Um levantamento da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) com 3,5 mil pessoas em 10 capitais mostrou que 3 em cada 4 mulheres já sofreram assédio, sendo que 51% desses casos ocorreram dentro de transportes públicos.
Em 2023, pelo menos um caso de importunação sexual foi registrado no transporte público da capital paulista a cada 14 horas, segundo Secretaria da Segurança Pública (SSP).
? Embora trabalhadores remotos também estejam suscetíveis à criminalidade em momentos fora da jornada ou percurso ao trabalho, passar mais tempo em casa pode transmitir a sensação de proteção para muitos deles.
Michele também recorda das vezes em que ficou ilhada em enchentes, fazendo o retorno para a casa fosse ainda mais demorado. Por ter passado tanto tempo fora de casa, ela ainda guarda o sentimento de não ter sido uma mãe tão presente.
"Eu saia de casa sem ter a segurança de voltar (...) o presencial me ausentava em casa. Defendem tanto a relação corporativa, o quanto ela é importante para aumentar a produtividade, mas eu não tinha contato nem com a minha própria família", lamenta.
Volte ao índice.
? Salário emocional
A carreira de Michele mudou para o sistema remoto durante a pandemia da Covid-19. Sabendo que a empresa poderia voltar ao escritório após a flexibilização das medidas protetivas, ela aproveitou para fazer uma transição de carreira que permitisse continuar trabalhando de casa.
"Foi quando eu olhei para a área de TI. Me preparei, fiz cursos para entender esse universo. Agora, minha vida vai além do trabalho. Terminei a jornada? Fecho o computador, tomo um banho e vivo."
"Como melhor e me exercito. Perdi 11 kg depois que comecei a trabalhar em casa. Sou uma profissional melhor. Me especializei e melhorei meu inglês. Tenho mais tempo em família e vejo o meu neto crescer", diz Michele, que também atribui ao remoto a liberdade para viajar mais.
Rotina saudável e mais tempo com a família são vantagens que o home office proporcionou para Michele Barbosa
Michele Barbosa/ Arquivo Pessoal
Luciano Freitas, agora diretor de marketing, também enfatiza a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar e a facilidade para resolver situações simples, que no presencial são repletas de burocracias.
"No presencial, você precisa de 10 pessoas para receber a autorização para se ausentar por 1h para ir ao médico. É um sistema medieval (...) Entendo que certas áreas não têm essa possibilidade, mas a política devia ser: estar ou não no escritório, estou entregando resultados."
ℹ️ Os relatos dos profissionais ouvidos pelo g1, que refletem a opinião de muitos que se manifestam contra o retorno 100% presencial, são consequência de uma mudança no conceito de prioridades entre os trabalhadores, explica a mestre em educação e trabalho Taís Targa.
"A pandemia fez com que muitos profissionais repensassem suas carreiras e modo de vida. É um movimento de ênfase ao salário emocional, que é intangível. Quanto vale para você morar perto dos pais, ser presente na vida de seus filhos, almoçar uma comida caseira?", explica.
⚠️ O conceito de salário emocional se refere aos benefícios intangíveis que melhoram a qualidade de vida dos funcionários, como a proximidade da família, a flexibilidade de horários e a redução do estresse.
Segundo Tais, muitos profissionais estão dispostos a abrir mão de cargos executivos e salários elevados em troca de uma melhor qualidade de vida.
"Com esse retorno ao presencial abrupto e radical, vemos uma onda de pedidos de demissão por parte de profissionais que desejam continuar no remoto. Pior, o retorno a contragosto ao presencial pode resultar em insatisfação e queda na entrega."
Por outro lado, empresas que mantêm o modelo remoto de trabalho tendem a ter vantagem competitiva na retenção e contratação de talentos, pontua a especialista.
Luciano Freitas pediu demissão após enfrentar dificuldades com a mobilidade até o trabalho
Arte/g1
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? O que dizem as empresas?
A Atlantic Tax & Advisory, localizada em Niterói (RJ), destaca as vantagens de manter o home office após o fim das restrições da pandemia. A decisão permitiu a contratação de talentos de diferentes, como a Bahia e a região Serrana do Rio de Janeiro.
A transição para o trabalho remoto foi bem-sucedida e resultou em um aumento na produtividade, segundo o CEO da empresa, Daniel Pires.
"Muito disso porque nossos colaboradores melhoraram a qualidade de vida. Esse, portanto, passou a ser um foco e aderimos à semana de 4 dias".
No QuintoAndar, startup de aluguel e venda de imóveis, a continuidade do home office abrange 100% da área de tecnologia. Nos demais setores, apenas 6% vão ao escritório diariamente, enquanto a maioria trabalha de forma híbrida.
Déborah Abi-Saber, VP de People da startup, também afirma que a continuidade da política impactou a retenção de talentos e a promoção da diversidade. "A ausência de barreiras físicas permitiu a contratação de talentos de qualquer lugar do país, resultando em equipes diversas".
Já a Dale, agência de comunicação integrada, viu o seu faturamento crescer ao atrair clientes de outras regiões, consolidando-se como uma referência em comunicação corporativa.
"Com uma equipe diversa e com diferentes contextos culturais, elevamos a nossa criatividade. Isso impactou no nosso crescimento, já que atraímos novos clientes. Passamos a olhar para um mercado além da região onde estamos", afirma Marcelo Rouco.
Devido aos bons resultados, a empresa também implementou o "Anywhere Office", modelo de trabalho que permite trabalhar de qualquer lugar do mundo.
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?? Home office em 'extinção'
Acontece que nem todo mundo colheu os bons frutos do trabalho remoto, como mostra em detalhes a reportagem de fevereiro do g1. Essa é a realidade de empresas que decidiram proibir ou reduzir drasticamente os dias de home office, como a Amazon e a Dell, gigantes da tecnologia.
Esse declínio é visto em números. Um levantamento da consultoria imobiliária JLL mostra que a taxa de vacância de imóveis comerciais (ou seja, de unidades disponíveis para locação) diminuiu gradativamente, voltando a patamares ainda menores que o momento pré-pandemia.
Taxa de vacância em SP
g1
Ofertas de emprego por modalidade
g1
O "êxodo remoto" também é notado em plataformas de recrutamento, como a Gupy. A empresa registra cada vez menos oportunidades de trabalho remoto, enquanto as vagas presenciais ou híbridas estão em alta.
A insegurança quanto à produtividade é o principal motivo para algumas empresas abandonarem o teletrabalho, segundo Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
Um levantamento realizado pela Mercer Brasil revelou as impressões dos gestores sobre o sistema remoto. Dos 365 profissionais de RH entrevistados:
? 76% citam ter insegurança sobre a produtividade no sistema remoto;
? 66% mencionam excesso de reuniões.
? 51% têm dificuldade em acompanhar iniciantes.
?? 61% apontam a liderança como um desafio.
? 52% consideram a cultura organizacional um impeditivo.
Apesar disso, a presidente da ABRH ressalta que os problemas apontados têm origem em outras falhas dentro das organizações, como:
⚠️ Planejamento falho por parte da liderança: falta de uma estratégia bem definida pode comprometer a eficiência do trabalho remoto;
⌚ Falta de maturidade por parte dos funcionários: os colaboradores podem não estar preparados para gerenciar seu tempo e tarefas de forma autônoma;
?♀️️ Perfil de negócio que depende muito da integração entre funcionários: empresas que necessitam de uma colaboração intensa e constante entre equipes podem encontrar desafios no modelo remoto.
Volte ao índice.
? É possível um consenso?
A competição para saber qual é o melhor modelo de trabalho é frequente e quase sempre acompanhada de troca de farpas nas redes sociais.
Luciano acredita que a polêmica está ao conflito entre gerações, que influencia na aceitação das opiniões. Para ele, pessoas mais velhas são mais ouvidas do que os jovens da geração Z, que expressam mais descontentamento com os modelos tradicionais de trabalho.
"O gestor pode pensar: como uma pessoa sem a experiência que eu tenho questiona a modalidade de trabalho que eu sempre tive e funcionou? Criamos chefes autoritários. O problema não está no presencial. É preciso que as lideranças ouçam os funcionários", afirma Luciano.
Compreensão mútua, uma liderança atualizada, foco genuíno na produtividade e no bem-estar dos colaboradores também são conselhos de Tais, mestre em trabalho. Identificar por que determinado modelo não funcionou e entender o que se passa com os colaboradores são passos essenciais.
"Como muitas empresas aderiram ao remoto por necessidade, boa parte falhou em manter uma boa comunicação e não conseguiu se atualizar em termos de ferramentas para manter o time coeso e produtivo", explica Taís.
Ela também pontua que classificar a resistência ao retorno presencial como "mero capricho" não é saudável, já que muitos trabalhadores têm argumentos fortes para tal opinião. O mesmo vale para empresas onde o remoto realmente não é viável.
"Não dá para julgar, mas creio que muitas empresas que retornaram ao presencial poderiam ao menos ter uma rotina de trabalho híbrido. Isso seria benéfico, não só para os colaboradores, mas para a empresa que teria uma oferta de salário emocional", conclui Taís.
Volte ao índice.
Profissionais explicam os motivos por rejeitarem empregos presenciais
Arte/g1
'Workation': conheça a tendência que une viagem de lazer ao trabalho
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