Linnpy

G
G1
2h

Beth Carvalho revive em discobiografia como pioneira voz do samba e artista de ideologia e temperamento fortes

Beth Carvalho revive em discobiografia como pioneira voz do samba e artista de ideologia e temperamento fortes
Capa do livro ‘Beth Carvalho – Uma vida pelo samba’, de Rodrigo Faour
Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE LIVRO
Título: Beth Carvalho – Uma vida pelo samba
Autor: Rodrigo Faour
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Beth Carvalho morreu sem aceitar que Clara Nunes (1942 – 1983) tivesse sido a primeira das três cantoras do chamado ABC do samba da década de 1970 a se converter ao gênero musical que pautou a trajetória fonográfica do trio de intérpretes, todas compositoras bissextas.
Alcione foi a última – e isso é ponto pacífico porque a cantora maranhense somente foi transformada na ‘voz do samba’ em 1975 por obra de Roberto Menescal, então no posto de diretor artístico da gravadora Philips. A briga sempre foi entre Beth e Clara.
Lançado em maio, e com sessão de autógrafos agendada no Rio de Janeiro (RJ) para quinta-feira, 12 de junho, o livro Beth Carvalho – Uma vida pelo samba, escrito pelo pesquisador musical Rodrigo Faour e publicado pela Sonora Editora, evita jogar lenha nessa fogueira de vaidades, até porque as duas cantoras rivais já estão mortas.
Contudo, ao reconstituir a caminhada profissional da carioca Elizabeth Santos Leal de Carvalho (5 de maio de 1946 – 30 de abril de 2019) na música brasileira a partir de 1965, Faour de certa forma dá razão a Beth postumamente ao relatar que, entre 1966 e 1967, a cantora integrou o elenco dos shows A hora e a vez do samba (1966), Sexta-feira é dia de samba (1967) e Em tempo de samba (1967), cujos nomes deixavam explícita a cadência do repertório.
No show de 1966, Beth tinha número em que tinha de cantar, de improviso, sambas de compositores pedidos pela plateia. E ela cantavam, sem errar.
Poderia ter acontecido ali a conversão definitiva da cantora ao samba, mas, como Faour ressalta, a cantora ainda titubeou pela bossa nova, pela era dos festivais – com músicas geralmente compostas em tons expansivos, para fisgar as plateias dessas competições – e pelo suingue pop à moda do pianista Sergio Mendes (1941 – 2024), inspiração para o som criado por Antonio Adolfo para o conjunto 3D, do qual Beth foi vocalista em shows e no álbum Muito na onda (1967).
Sem falar na toada moderna, ritmo com o qual foi rotulada Andança, a música de Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós (1945 – 2013) defendida por Beth com o grupo Golden Boys no III Festival Internacional da Canção, em 1968, em momento em que alcançou pela primeira vez a fama.
Essa parte inicial é o suprassumo do livro. Ainda que os passos inicias de Beth Carvalho na música já tivessem sido bem contados nos textos escritos pelo pesquisador Marcelo Fróes para os encartes de dois dos cinco CDs da caixa Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos (2010), Rodrigo Faour vai além ao detalhar cada título da discografia da cantora desde os primórdios.
Aliás, o livro Beth Carvalho – Uma vida pelo samba segue o formato de discobiografia do projeto Sambabook, do qual faz parte. Com notório conhecimento sobre a obra da artista, à qual se apegou desde que ganhou o histórico LP De pé no chão em 1978 e da qual foi admirador assumido, o autor descortina os bastidores de cada álbum, listando músicas, compositores, arranjadores e instrumentistas.
Faour se permite incluir na lista de álbuns a coletânea Beth Carvalho canta Cartola (2003), produzida por ele próprio, com o argumento (válido) de que a própria cantora dava à compilação o status de um álbum.
Ao longo das 440 páginas do livro, o leitor vai se deparando com artista de temperamento tão forte quanto a devoção ao samba e a ideologia social que defendeu em 49 anos de carreira. Beth Carvalho era pessoa difícil, por vezes autoritária e até ríspida no trato cotidiano.
Mas Luana Carvalho, filha da cantora, contemporiza e ressalta que Beth tinha que se impor em mundos dominados por homens, como os das gravadoras e do próprio samba. Luana tem razão. No universo do samba e da indústria fonográfica, o papel reservado à mulher era o de cantora, intérprete submissa às vontades de diretores artísticos, arranjadores, produtores e empresários.
Beth estudou piano e tocava bem violão e cavaquinho. Por isso, a cantora entendia de harmonia e se achava no (justo) direito de discutir acordes e arranjos nos estúdios e nos palcos. Produtor musical dos álbuns lançados por Beth Carvalho entre 1976 e 1984, período que compreende a fase de ouro da discografia da cantora, Rildo Hora conta a Faour que sentia saudade das brigas artísticas com Beth, com quem rompeu após a gravação do álbum Coração feliz (1984) por motivo omitido no livro.
Beth Carvalho – Uma vida pelo samba é um livro sobre música. Informações da vida pessoal de Beth pipocam vez por outra nas páginas para contextualizar os discos, como os problemas na coluna que atrapalharam progressivamente a carreira da cantora a partir da segunda metade dos anos 2000 e que se agravaram muito ao longo da década de 2010 até tirá-la de cena, há seis anos, mas, como já ressaltado, o livro é mais uma discobiografia do que uma biografia propriamente dita.
Por isso, a informação de que Beth sofria de câncer no sacro – fato conhecido nos bastidores por pessoas próximas da artista, mas até então nunca revelado publicamente – aparece somente no fim do livro, sem destaque ou sensacionalismo.
O que importa na narrativa é a vida de Beth Carvalho no samba, gênero ao qual a cantora somente se converteu em caráter definitivo a partir de 1971 em decisão que se tornou pública com edição em 1972 de single em que Beth dava voz ao grande samba-enredo da escola Unidos de São Carlos no Carnaval daquele ano, Rio Grande do Sul na festa do preto forro (Nilo Mendes e Dário Marciano, 1971).
Foi o canto de cisne da artista na Odeon, gravadora que não quis apostar em Beth como sambista por ter escolhido Clara Nunes como a representante da companhia no samba. Ciente dessa escolha, Beth aceitou o convite de Manuel Camero (1933 – 2018), o Manolo, para migrar para Tapecar, gravadora brasileira aberta pelo executivo espanhol em 1971 e derivada de fábrica de tapes criada em 1968.
Na pequena Tapecar, Beth Carvalho gravou três álbuns – Canto por um novo dia (1973), Pra seu governo (1974) e Pandeiro e viola (1975) – que pavimentaram o caminho da cantora no samba e a fizeram ser vista como sambista no mercado fonográfico.
Tanto que o sucesso radiofônico do samba 1.800 colinas (Gracia do Salgueiro) em 1974 abriu as portas da gravadora multinacional RCA para Beth, que cumpriu o contrato com a Tapecar até 1975 e somente lançou em 1976 o primeiro álbum na RCA, empresa na qual debutara nove anos antes, em 1965, com single de aura bossa-novista.
O resto foi uma história que teve altos e baixos – e Faour mostra no livro como Beth amargou períodos de menor visibilidade a partir dos anos 1990, década em o mercado fonográfico brasileiro foi dominado pelo sertanejo, pela axé music e pelo pagode mais pop ecom teclados de grupos como Raça Negra.
Na primeira metade da década de 1990, grande parte da geração do bloco Cacique de Ramos, revelada por Beth no revolucionário álbum De pé no chão (1978) sofreu com a perda de sucesso. Beth Carvalho nunca mais terias as altas vendagens da fase da RCA, mas, de acordo com a maré, foi cantando novidade em discos ao vivo e projetos temáticos.
A cantora viveu de fato uma vida pelo samba, cuja forma de tocar foi renovada (com banjo, tantã e repique de mão) no já mencionado álbum De pé no chão.
Cada disco lançado foi como uma bandeira hasteada com a ideologia firme que guiou o caminhar de Elizabeth Santos Leal de Carvalho pelo Brasil, tendo o samba como norte. Embora indicado somente para admiradores fervorosos da cantora, pelo conteúdo específico, o livro de Rodrigo Faour honra o legado e a memória da madrinha do samba.
Beth Carvalho (1946 – 2019) em imagem dos anos 1970, década em que mostrou uma nova forma de tocar samba em álbuns antológicos
Divulgação / Festival do Rio

Para ler a notícia completa, acesse o link original:

Ler notícia completa

Comentários 0

Não há mais notícias para carregar