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Isabel Allende fala de novo romance e critica governo Trump: 'Política devastadora'

Isabel Allende fala de novo romance e critica governo Trump: 'Política devastadora'
Em entrevista à GloboNews, escritora comenta política atual dos EUA com imigrantes. Novo livro ‘Meu nome é Emilia Del Valle’ se passa durante Guerra Civil no Chile de 1891. Isabel Allende lança novo livro no Brasil
Isabel Allende é a escritora mais lida do mundo na língua espanhola e um dos principais nomes da literatura latino-americana contemporânea. Em entrevista à GloboNews, a autora falou sobre o lançamento de seu livro, “Meu nome é Emilia Del Valle”, e sobre o contexto político e social do mundo atual.
O novo romance, lançado neste mês, tem como pano de fundo a Guerra Civil no Chile de 1891. Ele narra a história de uma jovem jornalista nascida nos Estados Unidos e abandonada pelo pai antes de nascer, que vai em busca de suas raízes familiares. O livro é um retrato sensível da luta feminina por reconhecimento e liberdade — temas que continuam atuais e que atravessam a própria trajetória de Isabel Allende.
Assim como em outras de suas obras, a autora também aborda a migração como um dos assuntos do novo livro. Questionada sobre como ela vê as discussões em torno desse tema no Estados Unidos, onde vive, Allende faz críticas ao atual governo.
"Todos os governos tentaram resolver isso, pelo menos legalizar de alguma forma. Aí chegou o Trump com uma política devastadora, de grande crueldade, que prendeu e deportou pessoas até para países que nem eram os de origem delas. Separaram famílias. Tem sido — e continua sendo — cada vez pior", ela comenta.
"As pessoas estão sofrendo muito. Estão assustadas — não só os imigrantes ilegais da fronteira, que às vezes estão aqui há muitos anos e têm família, mas também estudantes estrangeiros que são tirados da sala de aula e deportados. E até gente com visto perfeitamente legal."
A escritora nasceu em Lima, no Peru, em 1942, mas cresceu em Santiago, no Chile, onde passou boa parte de sua vida. Seu pai era diplomata e primo do ex-presidente chileno Salvador Allende, que sofreu um golpe militar em 1973. Desde então, a história do país se confunde com a dela.
Isabel exilou-se na Venezuela e, mais tarde, mudou-se para Estados Unidos, onde vive atualmente. Sua experiência com o exílio, o feminismo, a ditadura e as relações familiares são temas centrais em suas obras.
Prestes a completar 83 anos em agosto, ela prepara um livro de memórias no qual contará detalhes sobre os anos recentes de sua vida, seu divórcio aos 74 anos, um período de solidão e sobre reencontrar um novo amor.
Desde sua estreia “A Casa dos Espíritos”, em 1982, suas obras já foram traduzidas para mais de 40 idiomas. Venderam mais de 80 milhões de exemplares.
Isabel Allende
Lori Barra/Divulgação
g1 - Em 'Meu nome é Emilia Del Valle', Emilia é uma jornalista em busca de crescimento profissional numa época em que as mulheres não tinham reconhecimento. Você acha que podemos trazer essa narrativa para o contexto atual?
Isabel Allende - Muita coisa mudou. O romance se passa em 1891. Já se passou muito tempo desde então. Mas veja, quando comecei a publicar, quando mandei o manuscrito de A Casa dos Espíritos em 1982 para a Espanha, meu agente na época me disse que uma mulher precisava fazer o dobro de esforço para obter metade do reconhecimento de um homem. Naquele tempo, havia pouquíssimas mulheres latino-americanas publicadas com sucesso. As vozes femininas estavam silenciadas. Isso mudou muito. Agora há um boom da literatura feminina na América Latina.
g1 - Como surgiu a inspiração para essa história?
Isabel Allende - A inspiração veio da Guerra Civil no Chile em 1891, porque tem ecos ou semelhanças com o que aconteceu em 1973. Nos dois casos havia um presidente progressista tentando fazer grandes mudanças no país, enfrentando uma tremenda oposição, e as Forças Armadas intervieram. No primeiro caso, elas se dividiram: a Marinha ficou com a oposição e o Exército com o presidente. Houve uma guerra civil sangrenta e brutal. Depois, em 1973, também havia um presidente progressista tentando mudanças profundas. As Forças Armadas intervieram, mas não se dividiram. Houve um golpe militar, seguido, como sabemos, por 17 anos de ditadura. E, nos dois casos, o presidente se suicidou. Os paralelos eram tão fortes que me interessei em investigar.
g1 - A família Del Valle aparece em vários dos seus livros, começando em “A Casa dos Espíritos”, continua em “Filha da Fortuna” e “Retrato em Sépia. Neste livro, Emilia é criada pela mãe e pelo padrasto, e vai ao Chile em busca de suas raízes. A história dela me lembra um pouco a sua.
Isabel Allende - Olha, as pessoas que leram o livro dizem que a Emilia é meu alter ego. Não, eu não estava pensando nisso quando escrevi a história, mas é verdade que ela começa como jornalista, depois vira escritora, não conhece o pai biológico e tem um padrasto maravilhoso. Nisso nos parecemos. Mas veja, eu acho que todos os escritores emprestam às histórias e personagens suas experiências, suas memórias, as coisas que importam, as pessoas que conhecemos. Então, não é estranho que coisas da minha vida e da minha família apareçam no livro. Em todos os livros.
E essa família Del Valle, mesmo que não tenham esse nome, é a família maravilhosa — materna — da minha avó materna, que era cheia de loucos deliciosos
g1 - Emilia Del Valle cresce como uma mulher independente e determinada, desafiando as normas sociais de sua época para seguir sua verdadeira paixão: a escrita. O feminismo sempre esteve presente na sua vida? A literatura também é uma forma de ativismo?
Isabel Allende - Primeiro, preciso te dizer que não faço ativismo ideológico, político ou feminista quando escrevo ficção, quando escrevo romances. Se é não-ficção, como “Mulheres da minha alma” ou as memórias, aí sim, há ativismo direto — e também por meio da minha Fundação e, claro, quando falo em público. Mas a ficção não aceita uma mensagem direta. Quando você tenta colocar uma mensagem, destrói a história. É preciso deixar que o leitor ou a leitora descubra nas entrelinhas. Você conta uma história, e cada pessoa interpreta do seu jeito.
Isabel Allende na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)
Flavio Moraes/G1
g1 - E na sua vida você sempre foi uma grande leitora? E a sua relação com a escrita? Gostava de escrever desde pequena?
Isabel Allende - Eu gostava de ler porque, quando eu era pequena, não havia televisão no Chile, e a única diversão era a leitura. Desde muito cedo, eu gostava muito disso: ler, contar histórias, ouvir histórias, inventar histórias. Depois, quando eu tinha uns 16 ou 17 anos, minha mãe estava na Turquia, eu estava no Chile, e a gente trocava cartas todos os dias. Esse hábito da escrita diária nos acompanhou a vida toda. Minha mãe morreu com 98 anos. A última carta que ela me escreveu foi às sete da noite — e às nove ela teve a hemorragia que foi o seu fim. Ou seja, até o último momento. E como eu escrevia pra ela toda noite, isso significava que eu tinha que prestar atenção no que acontecia durante o dia, pra poder contar à noite. O hábito de escrever todos os dias e de observar a realidade pra depois contá-la.
g1 - Alguns dos seus livros são inspirados em pessoas da sua família. “A Casa dos Espíritos” começou como uma carta para seu avô. Com “Paula” também surgiu um livro a partir das cartas que você fazia para sua filha. As cartas também foram uma forma de lidar com o luto e a perda do seu avô e da sua filha Paula?
Isabel Allende - A escrita me ajuda. Pode ser uma carta, pode ser um livro, pode ser um relato. Quando escrevo algo — uma dor muito grande, uma emoção muito forte — ao escrever, eu entendo, eu compreendo. Quando a Paula ficou doente, ela passou um ano em coma. Esse ano, pra mim, foi uma longa noite. Eu não conseguia distinguir um dia do outro. Só me lembrava do momento em que a levei de Madri pra Califórnia, em coma, num voo comercial. Não sei como consegui. Isso eu lembro. Mas o resto foi como uma noite interminável. E quando Paula morreu, minha mãe me entregou as cartas que eu tinha escrito pra ela durante aquele ano. E assim consegui ver, dia após dia, o que tinha acontecido. E ao transformar aquilo num livro, eu entendi. E aceitei. Eu compreendi que a única saída para minha filha era a morte. Ela estava presa num corpo que já não funcionava. Aceitar isso me custou muitas lágrimas. Mas escrever me ajudou. Foi uma catarse. E toda vez que passo por um momento difícil ou muito doloroso, se eu escrevo sobre aquilo, parece que eu consigo lidar melhor.
g1 - Eu sinto que o livro “Paula” é como um diário seu. Acho que essa é a sensação de muitas e muitas pessoas que leem a sua obra.
Isabel Allende - Acho que todo mundo tem perdas, dores, mortes. Então por que meus livros têm sucesso em 42 idiomas? Porque eu escrevo sobre emoções e relações — e isso é comum à humanidade. As semelhanças que nos aproximam são muito maiores que as diferenças que nos separam. Eu posso escrever sobre uma avó num mercado do Nepal e qualquer avó, de qualquer lugar, pode se conectar com essa personagem — porque o que importa são as emoções humanas. E essas não mudam. Todos sentimos medo, amor, dor, luto — do mesmo jeito. Eu acho que é aí que está minha conexão com os leitores — principalmente com as leitoras — porque as mulheres estão muito mais abertas aos sentimentos, à emoção, do que os homens.
g1 - E outro livro que você publicou, inspirado na vida da sua mãe, foi “Violeta. E você já disse em algumas entrevistas que trocava cartas com sua. Você revisitou essas cartas pra escrever esse livro? Pensa em publicá-las algum?
Isabel Allende - Não, eu não vou publicar — porque as cartas são muito privadas. E eu tinha um acordo com a minha mãe: de que elas nunca seriam publicadas. Minha mãe, inclusive, queria que eu queimasse todas as cartas depois que ela morresse. Mas, é claro, eu não fiz isso, né? Vou te mostrar uma caixa pra você entender como é. Mas estou escrevendo umas memórias — são memórias dos últimos anos: do meu divórcio aos 74 anos, de um período de solidão e de reencontrar um novo amor. Mas estou usando as cartas pra lembrar do que aconteceu. Porque, veja, eu esqueci 90% do que me aconteceu. E os 10% de que eu lembro, não aconteceram daquele jeito — foi de outro. Mas ali estão elas, nas cartas, dia após dia, com a emoção daquele dia. É ali que está a verdade.
g1 - É um registro muito bom. Porque hoje em dia a gente já não tem mais isso. Podemos até anotar coisas no notebook ou no celular, mas depois a gente apaga e nunca mais volta a ver.
Isabel Allende - Hoje a comunicação é rápida, instantânea, efêmera. A gente manda e-mails de três frases. A ideia de contar algo com a riqueza da linguagem, com a beleza de narrar — isso se perdeu. Ninguém mais faz isso. E, além disso, antigamente havia a caligrafia. Na época da minha mãe, as primeiras cartas eram todas à mão. E minha mãe tinha uma letra linda. Ela conseguia escrever seis páginas sem uma única correção. Isso já não existe mais.
g1 - As cartas também te levaram a encontrar o seu grande amor, o seu atual marido?
Isabel Allende - Bom, na verdade, não eram cartas. Eram e-mails. Ele me ouviu no rádio e começou a me escrever todos os dias — de manhã e à noite — por seis meses. Eu nunca falei com ele por telefone, nunca o vi, nada. Só sabia o que ele me contava nos e-mails. E na época, eu tinha uma secretária que era fanática por séries policiais. E ela começou a investigar. Olha, é inacreditável o que dá pra descobrir sobre alguém na internet. Ela me trouxe um dossiê — tinha até a placa do carro, quantos filhos ele tinha, o nome dos netos, o nome do cachorro. Estava tudo lá.
g1 - E sua família? Como reage quando você escreve sobre as histórias deles nos livros?
Isabel Allende - Quando eu escrevi A casa dos espíritos, ele foi publicado durante a ditadura no Chile — no pior período. O livro estava proibido no Chile, mas os membros da minha família que o leram ficaram muito incomodados. Primeiro porque se reconheceram — e depois por causa do conteúdo político. Eu venho de uma família muito conservadora. A parte progressista era do lado do meu pai, não da minha mãe. E essa parte conservadora da família estava feliz com a ditadura. Então o fato de eu ter exposto a época do terror, da tortura... Isso pegou muito mal. Mas com o tempo, esses ressentimentos se suavizaram, acho eu. Mas, na verdade, hoje eu já não tenho mais família próxima no Chile — meus irmãos não vivem lá. Meu filho, meus netos estão todos aqui. Depois do golpe militar, a família se dispersou e nunca mais nos reunimos. A última vez que estivemos todos juntos — acho que a única vez — foi no velório da minha mãe.
g1 - Você lembra de todos os títulos que escreveu? Tem algum favorito?
Isabel Allende - Não lembro, não só dos títulos — eu não lembro nem sobre o que são os livros. Às vezes recebo um e-mail de um tradutor em algum país — digamos, na Romênia — traduzindo um livro que escrevi há oito anos. E eu não tenho ideia. Ele faz umas perguntas que eu não sei responder, porque não lembro nada daquele livro.
g1 - Depois de todo esse tempo, desde o seu primeiro livro, o 8 de janeiro continua sendo sua data sagrada todo ano?
Isabel Allende - É uma data sagrada, mas olha — não é só superstição, é disciplina. Tem que ter um momento pra começar, porque nesse trabalho que faço não tenho chefe. Não tem ninguém pra me dizer "comece a escrever". Então preciso de uma estrutura interna que me obrigue a isso. E essa data me ajuda a começar.
g1 - Quais são seus planos pros próximos anos? Em relação ao trabalho, à vida pessoal, ao seu marido?
Isabel Allende - Olha, na minha idade não se faz planos a longo prazo. Todos os planos são curtinhos. Eu espero terminar a memória que estou escrevendo, e depois... não sei o que vai acontecer. Espero que possamos ficar juntos por mais alguns anos, mas, na nossa idade, pode acontecer qualquer coisa — doenças, demência, acidentes. Tantas coisas podem acontecer. Então nós dois temos muito presente que cada dia é precioso, porque talvez amanhã… não sabemos o que pode acontecer.
g1 - E que conselho você daria pra Isabel de 1981, que escreveu “A casa dos espíritos e estava começando a vida como escritora?
Isabel Allende - Eu diria pra ela ter confiança. Confiança em si mesma — porque levou muitos anos e muitos livros até eu conseguir acreditar que consigo fazer. A casa dos espíritos foi um presente do céu. Não foi planejado, eu não comecei com a ideia de fazer um romance, não tinha nenhum plano. E além disso, eu não conhecia nada da indústria do livro. Então escrevi com muita inocência e uma grande liberdade. Mas depois disso, quando o livro fez sucesso, eu sempre pensava: “Tá, mas eu não vou conseguir escrever outro”. Aquilo foi um presente do céu, uma vez só. E toda vez era assim. Levei muitos anos pra entender que, se eu coloco trabalho, disciplina, pesquisa e alegria no processo, eu consigo escrever sim. Mas isso eu não sabia no começo.
g1 - Você já conheceu autores brasileiros? Tem mais alguma lembrança especial do Brasil?
Isabel Allende - Pessoalmente, só o Jorge Amado. Eu fui à Bahia pra conhecê-lo. E ele me levou ao restaurante que inspirou Dona Flor e seus dois maridos. Sempre lembro desse momento. Toda a cidade estava voltada pra ele — amavam ele, celebravam ele. Mas não acompanho a literatura contemporânea do Brasil. Já fui várias vezes, e toda vez me apaixono. Penso: ‘tenho que vir morar nesse país’.
g1 - Você tem mais alguma lembrança especial do Brasil? Além do encontro com o Jorge Amado, alguma outra visita, viagem?
Isabel Allende - Fiz duas viagens pra Amazônia — as duas incríveis, maravilhosas. E numa dessas viagens, convidei uma moça que me parecia perfeita pro meu filho. E ela, claro, não sabia que eu estava examinando ela [risos]. E essa moça se casou com meu filho. Estão juntos há 28 anos e são um casal maravilhoso. Isso tudo começou no Brasil.
g1 - Você tem que voltar…E que mensagem você deixaria para as “Emilias” brasileiras? Porque posso te garantir: somos muitas.
Isabel Allende - Olha, conselho não dou. Só agradeço por me lerem. Me emociona tanto saber que, tão longe, em outro idioma, tem gente que me lê. E temos essa conexão misteriosa que é a literatura. Eu conto algo, vocês leem — e estamos conectadas. Como você disse antes, cria-se uma amizade. E essa amizade é a coisa mais preciosa que o meu trabalho me deu.

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