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Fórum discute desafios e soluções para o combate ao tráfico de fauna silvestre no Brasil

Fórum discute desafios e soluções para o combate ao tráfico de fauna silvestre no Brasil
Evento em Campinas reuniu pesquisadores, servidores públicos e lideranças indígenas para debater impactos e estratégias contra um dos crimes mais subnotificados do país. Primeira edição do fórum ocorreu no Centro de Convenções da Unicamp
Thomaz Marostegan
Representantes do poder público, da sociedade civil, da academia e de organizações indígenas se reuniram em Campinas (SP) nesta quarta (4) e quinta-feira (5) para debater desafios e caminhos para redução do tráfico de fauna silvestre no Brasil. Em sua primeira edição, o evento "Vozes pela Fauna" foi realizado no Centro de Convenções da Unicamp.
A iniciativa, promovida pela empresa especializada em conservação da biodiversidade Conservare e parceiros, teve como foco a construção de soluções integradas, com base em dados, vivências e iniciativas de conservação. As discussões foram divididas em seis painéis:
Panorama do tráfico de vida silvestre no Brasil e seus impactos socioeconômicos
Identificação dos principais desafios e lacunas nas políticas atuais
Operações fronteira e o tráfico internacional
Tecnologias emergentes no monitoramento e controle
Casos de sucesso e boas práticas
Fortalecimento das parcerias entre ONGs, governos e setor privado
Além da participação presencial, os painéis também puderam ser vistos por meio de transmissão online pelo YouTube.
Um crime difícil de mensurar
O primeiro painel contou com a participação do presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Rodrigo Agostinho. A pesquisadora Juliana Machado, diretora geral da ONG Freeland, abriu os debates destacando a complexidade de dimensionar o tráfico de fauna. Como muitos crimes ambientais, ele é majoritariamente subnotificado.
“O dado de apreensão tem que ter se interpretado com cuidado, porque ele é uma foto de um momento. E aquilo não significa que vinha acontecendo, que vai continuar acontecendo. A gente analisa tendências”, alertou. Ela também ressaltou que o tráfico não se limita a animais vivos, mas envolve partes do corpo, artefatos, peles e até carne de caça.
Juliana Machado, diretora geral da ONG Freeland
Thomaz Marostegan
“Tentamos capturar a apreensão realizada por diferentes órgãos, mas a gente sabe que nem tudo que é traficado é apreendido, nem tudo que é apreendido é noticiado, nem tudo é noticiado, tem todas as informações na notícia e nem tudo a gente detecta”, acrescenta ao citar a iniciativa Observatório do Tráfico, da Freeland.
Além dos impactos que incluem sofrimento físico e mental dos animais, o tráfico contribui para a redução populacional de espécies, perda de diversidade genética, introdução de espécies exóticas, desequilíbrios ecológicos (como a escassez de polinizadores e dispersores de sementes) e uma série de outras consequências desastrosas.
Juliana lembrou ainda da conexão do tráfico com a saúde pública. “O contato inadequado com fauna silvestre facilita o surgimento de zoonoses e pandemias como a Covid-19”.
“Tráfico de fauna não é um crime menor. Ele está conectado a outros crimes como corrupção, contrabando, sonegação e lavagem de dinheiro. E ameaça não só os animais, mas a biodiversidade, a saúde pública, a cultura e a governança do país”, completa.
A proteção que vem dos povos indígenas
Vanessa Apurinã, gerente de monitoramento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), ressaltou que proteger a fauna é, antes de tudo, proteger os territórios.
“Não dá para falar de fauna, sem falar da proteção dos territórios indígenas, não dá para falar de fauna, sem falar de quem faz essa proteção. Vocês trazem dados técnicos, mas a gente traz a proteção da fauna, da flora, dos rios. Nós fazemos o trabalho de reflorestar esses territórios que estão sendo degradados”, ressalta Vanessa.
Vanessa Apurinã, gerente de monitoramento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Thomaz Marostegan
A relação dos povos originários com a natureza é tão profunda que, segundo a liderança indígena, a ausência de espécies em rituais impacta diretamente o bem-estar psicológico de jovens indígenas, como no caso das meninas moças, que dependem da presença de animais específicos para rituais de passagem.
O que os animais diriam?
Vanessa Kanaan, do Instituto Fauna Brasil, compartilhou com o público sua experiência de 15 anos à frente do projeto de reintrodução do papagaio-de-peito-roxo em Santa Catarina. Em sua fala, colocou a importância pensar no que os animais diriam se pudessem expressar seu sofrimento decorrente dos processos de captura, transporte e cativeiro presentes no tráfico.
“O tráfico não é só culpa do caçador na mata. Ele envolve toda uma sociedade que ignora ou naturaliza a posse de animais silvestres”, disse.
“Muitas vezes quando a gente pensa no tráfico, a gente pensa no traficante como uma pessoa má, que vai na mata e retira os animais, mas o tráfico passa por todos nós. Ele passa pela senhorinha que tem um papagaio há 30 anos, ele passa por nós que conhecemos o vizinho que tem um tigre-‘d’água”.
Vanessa Kanaan, do Instituto Fauna Brasil
Thomaz Marostegan
No Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetas) de Santa Catarina, a bióloga teve contato com papagaios-de-peito-roxo que não seriam soltos por estarem ameaçados de extinção. Para ela, manter as aves longe da natureza, sob cuidados precários e sem servir nem mesmo ao propósito de educação ambiental não fazia o menor sentido.
Foi dessa indignação que nasceu o Projeto de Reintrodução do Papagaio de Peito Roxo, realizado no Parque Nacional das Araucárias. Dentre os inúmeros aprendizados, a iniciativa mostrou que mesmo animais mantidos por anos em cativeiro podem ser reabilitados e voltar à natureza após avaliação de critérios comportamentais, genéticos e sanitários.
“Toda a cadeia que tem que ter esse olhar para o indivíduo. Ele importa não só porque vai cumprir seu papel ecológico, mas porque ele vai contribuir com a conservação da sua espécie, seja no ecossistema ou ajudando a avançar em pesquisa ou educação ambiental. Dói muito quando a gente vê um juiz tentando devolver um papagaio para uma pessoa, muitas vezes sem nenhum fundamento técnico”, relata.
Políticas públicas e desafios institucionais
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, lembrou que o Brasil convive com biomas que já estão severamente degradados, em razão de um processo de extração da fauna e flora que começou durante a colonização. Com as redes sociais, a venda e exposição de animais silvestres acabou ganhando uma dimensão ainda maior.
Segundo Agostinho, apenas no Cetas do Ibama chegam mais de 60 mil animais por ano. “Várias das espécies brasileiras que estão desaparecidas hoje, nunca chegaram a ser listadas como espécies ameaçadas”, alerta.
“A gente tem um problema gravíssimo regulatório no Brasil. A lei dos crimes ambientais do artigo 29 trata isso como um crime de menor potencial, então quem é o operador de direito precisa ter clareza que não basta punir só pelo artigo 29, mas também punir o traficante por receptação, formação de quadrilha, falsificação, maus-tratos”.
Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama
Thomaz Marostegan
Ele destacou ainda que o tráfico de fauna tem se sofisticado, com envio de ovos pelo correio, comércio de espécies raras para fora do país e fraudes dentro de sistemas legais de criadouros. Espécies como bicudo, cardeal-amarelo e pintassilgo-do-nordeste estão praticamente extintas na natureza, mas aparecem aos milhares em registros oficiais - um indício de irregularidades.
“Nós vamos precisar de estratégias de conservação in situ e ex situ, vamos precisar de integração dessas estratégias de conservação. Nós vamos precisar da sociedade civil, do setor privado, vamos precisar do setor público”, destaca o presidente da autarquia.
Entre as soluções apontadas ao longo do fórum estão maior valorização dos servidores ambientais, investimentos em centros de triagem e reabilitação, agilidade no licenciamento para atividades de conservação de fauna, revisão da legislação ambiental e ações integradas entre sociedade civil, povos originários, universidades e governos.
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