Academias populares de boxe resistem debaixo de viadutos em SP

Academias populares de boxe resistem debaixo de viadutos em SP
Gustavo Basso/DW
Entre vigas de concreto, barulho de carros e equipamentos improvisados, pugilistas amadores se reúnem para treinar e aprender as lições que o boxe proporciona: disciplina, resiliência e superação. A rotina, que parecia ameaçada, volta a ganhar fôlego com o retorno de um espaço sob um viaduto na Zona Leste de São Paulo.
O projeto social idealizado pelo ex-pugilista Nilson Garrido chegou a ficar dois anos interditado. Sob ameaça de despejo e com o Termo de Permissão de Uso (TPU) vencido, o espaço foi alvo de disputa: uma cooperativa de reciclagem pleiteou o uso da área, e parte dela acabou cedida pela prefeitura a uma empresa privada.
Agora, aos poucos, o boxe retorna ao local. Uma faxina feita por voluntários durante mais de duas semanas abriu caminho para que a academia volte a funcionar aos poucos. A permissão oficial ainda não chegou, mas Fábio Garrido, filho de Nilson e atual coordenador do projeto, mantém as atividades com a ajuda de quem encontrou ali um abrigo e uma nova oportunidade.
Em 2004, sofri um acidente num combate. Fui parar no hospital, entre a vida e a morte. Meu pai estava em oração quando, segundo ele, Deus lhe disse: 'Eu vou cuidar do seu filho; em troca, você vai cuidar dos meus filhos.' Assim surgiu a ideia de montar uma academia para acolher excluídos, resgatar gente da rua por meio do esporte.
Fábio Garrido comanda o projeto social que dá aulas de boxe debaixo de um viaduto
Gustavo Basso/DW
Sem documentação regularizada, a academia depende da boa vontade das autoridades e de articulações políticas. "Quando reformaram o viaduto, trocaram amortecedores, reforçaram vigas, mas não vedaram corretamente. A infiltração estragou nossos equipamentos. A gente está aqui desde 2007, mas ninguém vem ajudar", desabafa. Ele agora vem pedindo a redes de musculação a doação de equipamentos parados.
"Aqui eu recuperei minha dignidade"
Fundado em 1999, o projeto já acolheu moradores de rua, usuários de drogas, ex-presidiários e menores infratores. Além das aulas de boxe e atualmente jiu-jitsu, também é teto para alguns alunos.
Nilson, o fundador, morreu em 2022, após uma cirurgia, mas a iniciativa segue viva nas mãos da família e de ex-alunos como Fernando Menoncello.
Ex-morador de rua, Fernando virou campeão de boxe amador e hoje coordena sua própria academia. "Esse lugar é como uma igreja, um refúgio. Lembro de tudo: pegando marmita na porta para não passar fome, puxando carroça, vendendo ferro velho. Aqui eu recuperei minha dignidade", relembra.
Aos 44 anos, fora dos ringues, Fernando tenta retribuir o que recebeu levando o esporte a crianças e adolescentes, tanto na academia quanto na Federação de Boxe do estado. "Eu me encontrei. Gosto de ver o moleque dando os primeiros passos, pegando medalha, indo para a seleção", afirma.
Ex-aluno do projeto, Fernando Menoncello conquistou sua própria academia
Gustavo Basso/DW
Uso do espaço público é baseado em "contratos precários"
Projetos como o Garrido dependem dos chamados TPU: concessões que permitem o uso de espaços públicos por paulistanos, com regras e prazos específicos. O problema é que essas permissões são frágeis.
"O TPU é o que chamamos de um contrato precário. Não há segurança jurídica, pode ser revogado a qualquer momento", explica a advogada Mariana Levy, especialista em direito urbano.
São Paulo tem 185 pontes e viadutos. Segundo a Prefeitura, menos de 25 abrigam iniciativas como escolas de samba, quadras e academias populares.
Em nota, a Prefeitura afirma que "realiza o projeto Baixos de Viaduto, um chamamento público que permite à sociedade civil utilizar esses espaços, desde que ofereça atividades voltadas à população", como "quiosques, playgrounds, áreas de paisagismo". A gestão cabe à Secretaria Municipal das Subprefeituras.
Especialistas dizem que faltam políticas públicas que incentivem e formalizem o uso desses espaços.
Não conheço nenhuma política municipal voltada a isso hoje. O que existe é feito caso a caso, sem padrão, sem programa estruturado.
A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer em SP enviou nota à DW dizendo que "o uso dos baixos de viaduto em São Paulo segue critérios previstos na legislação municipal para requalificação e aproveitamento desses espaços". O órgão esclareceu que interessados devem apresentar projetos após publicação de um edital.
Esporte perto de casa
A academia do ex-campeão João Ferreira foi um dos projetos avaliados "caso a caso". Ele montou um espaço no bairro onde nasceu, Perus, na periferia norte da capital paulista – 54º no ranking de 96 distritos avaliados em 2023 pelo Mapa da Desigualdade da metrópole, publicado anualmente pela organização civil Rede Nossa São Paulo.
Quando jovem, Ferreira precisava sair do bairro e pagar para treinar. Agora tenta evitar que outros enfrentem o mesmo obstáculo.
"Eu queria treinar, mas aqui em Perus não tinha. Ia para a Lapa e pagava para treinar. Hoje cuido do jovem que chega aqui. É um trabalho de coração, não tenho apoio de estado ou prefeitura", diz. Há 22 anos, sobrevive com a ajuda de amigos e parceiros. Cerca de 20 pessoas treinam ali três vezes por semana, entre betoneiras, trilhos, córrego e uma escola de samba.
Ferreira improvisou sua academia para acolher atletas de todas as idades. "Lutei profissional até os 42. Um dia passei e vi um rapaz que cedeu o espaço. Aqui ninguém paga nada. Às vezes a gente ajuda quem precisa: compra gás, dá uma força. Faz o que pode", afirma.
Hoje, João Ferreira se orgulha dos campeões que formou e vê nas novas gerações a esperança de multiplicar as lições de humildade e simplicidade que aprendeu. "Meu sonho é ser lutador profissional", conta Antônio Soares, de 12 anos. "O boxe me trouxe felicidade, foco e amizades. Melhorou minhas notas e me livrou do bullying."
Quais sinais o corpo dá de que algo está errado durante a corrida e exercícios intensos?
Gustavo Basso/DW
Entre vigas de concreto, barulho de carros e equipamentos improvisados, pugilistas amadores se reúnem para treinar e aprender as lições que o boxe proporciona: disciplina, resiliência e superação. A rotina, que parecia ameaçada, volta a ganhar fôlego com o retorno de um espaço sob um viaduto na Zona Leste de São Paulo.
O projeto social idealizado pelo ex-pugilista Nilson Garrido chegou a ficar dois anos interditado. Sob ameaça de despejo e com o Termo de Permissão de Uso (TPU) vencido, o espaço foi alvo de disputa: uma cooperativa de reciclagem pleiteou o uso da área, e parte dela acabou cedida pela prefeitura a uma empresa privada.
Agora, aos poucos, o boxe retorna ao local. Uma faxina feita por voluntários durante mais de duas semanas abriu caminho para que a academia volte a funcionar aos poucos. A permissão oficial ainda não chegou, mas Fábio Garrido, filho de Nilson e atual coordenador do projeto, mantém as atividades com a ajuda de quem encontrou ali um abrigo e uma nova oportunidade.
Em 2004, sofri um acidente num combate. Fui parar no hospital, entre a vida e a morte. Meu pai estava em oração quando, segundo ele, Deus lhe disse: 'Eu vou cuidar do seu filho; em troca, você vai cuidar dos meus filhos.' Assim surgiu a ideia de montar uma academia para acolher excluídos, resgatar gente da rua por meio do esporte.
Fábio Garrido comanda o projeto social que dá aulas de boxe debaixo de um viaduto
Gustavo Basso/DW
Sem documentação regularizada, a academia depende da boa vontade das autoridades e de articulações políticas. "Quando reformaram o viaduto, trocaram amortecedores, reforçaram vigas, mas não vedaram corretamente. A infiltração estragou nossos equipamentos. A gente está aqui desde 2007, mas ninguém vem ajudar", desabafa. Ele agora vem pedindo a redes de musculação a doação de equipamentos parados.
"Aqui eu recuperei minha dignidade"
Fundado em 1999, o projeto já acolheu moradores de rua, usuários de drogas, ex-presidiários e menores infratores. Além das aulas de boxe e atualmente jiu-jitsu, também é teto para alguns alunos.
Nilson, o fundador, morreu em 2022, após uma cirurgia, mas a iniciativa segue viva nas mãos da família e de ex-alunos como Fernando Menoncello.
Ex-morador de rua, Fernando virou campeão de boxe amador e hoje coordena sua própria academia. "Esse lugar é como uma igreja, um refúgio. Lembro de tudo: pegando marmita na porta para não passar fome, puxando carroça, vendendo ferro velho. Aqui eu recuperei minha dignidade", relembra.
Aos 44 anos, fora dos ringues, Fernando tenta retribuir o que recebeu levando o esporte a crianças e adolescentes, tanto na academia quanto na Federação de Boxe do estado. "Eu me encontrei. Gosto de ver o moleque dando os primeiros passos, pegando medalha, indo para a seleção", afirma.
Ex-aluno do projeto, Fernando Menoncello conquistou sua própria academia
Gustavo Basso/DW
Uso do espaço público é baseado em "contratos precários"
Projetos como o Garrido dependem dos chamados TPU: concessões que permitem o uso de espaços públicos por paulistanos, com regras e prazos específicos. O problema é que essas permissões são frágeis.
"O TPU é o que chamamos de um contrato precário. Não há segurança jurídica, pode ser revogado a qualquer momento", explica a advogada Mariana Levy, especialista em direito urbano.
São Paulo tem 185 pontes e viadutos. Segundo a Prefeitura, menos de 25 abrigam iniciativas como escolas de samba, quadras e academias populares.
Em nota, a Prefeitura afirma que "realiza o projeto Baixos de Viaduto, um chamamento público que permite à sociedade civil utilizar esses espaços, desde que ofereça atividades voltadas à população", como "quiosques, playgrounds, áreas de paisagismo". A gestão cabe à Secretaria Municipal das Subprefeituras.
Especialistas dizem que faltam políticas públicas que incentivem e formalizem o uso desses espaços.
Não conheço nenhuma política municipal voltada a isso hoje. O que existe é feito caso a caso, sem padrão, sem programa estruturado.
A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer em SP enviou nota à DW dizendo que "o uso dos baixos de viaduto em São Paulo segue critérios previstos na legislação municipal para requalificação e aproveitamento desses espaços". O órgão esclareceu que interessados devem apresentar projetos após publicação de um edital.
Esporte perto de casa
A academia do ex-campeão João Ferreira foi um dos projetos avaliados "caso a caso". Ele montou um espaço no bairro onde nasceu, Perus, na periferia norte da capital paulista – 54º no ranking de 96 distritos avaliados em 2023 pelo Mapa da Desigualdade da metrópole, publicado anualmente pela organização civil Rede Nossa São Paulo.
Quando jovem, Ferreira precisava sair do bairro e pagar para treinar. Agora tenta evitar que outros enfrentem o mesmo obstáculo.
"Eu queria treinar, mas aqui em Perus não tinha. Ia para a Lapa e pagava para treinar. Hoje cuido do jovem que chega aqui. É um trabalho de coração, não tenho apoio de estado ou prefeitura", diz. Há 22 anos, sobrevive com a ajuda de amigos e parceiros. Cerca de 20 pessoas treinam ali três vezes por semana, entre betoneiras, trilhos, córrego e uma escola de samba.
Ferreira improvisou sua academia para acolher atletas de todas as idades. "Lutei profissional até os 42. Um dia passei e vi um rapaz que cedeu o espaço. Aqui ninguém paga nada. Às vezes a gente ajuda quem precisa: compra gás, dá uma força. Faz o que pode", afirma.
Hoje, João Ferreira se orgulha dos campeões que formou e vê nas novas gerações a esperança de multiplicar as lições de humildade e simplicidade que aprendeu. "Meu sonho é ser lutador profissional", conta Antônio Soares, de 12 anos. "O boxe me trouxe felicidade, foco e amizades. Melhorou minhas notas e me livrou do bullying."
Quais sinais o corpo dá de que algo está errado durante a corrida e exercícios intensos?
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