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Pai solo e com deficiência visual comemora adoção legal do filho no MA: 'Eu lutei muito, porque existe uma burocracia na Justiça'

Pai solo e com deficiência visual comemora adoção legal do filho no MA: 'Eu lutei muito, porque existe uma burocracia na Justiça'
Ter o nome na certidão de nascimento do filho foi uma luta que durou anos, pois, sendo deficiente visual e morando sozinho, não conseguia autorização da Justiça para adotar Samuel, que hoje tem 11 anos. Pai solo com deficiência visual consegue fazer o registro socioafetivo do filho: ‘Ele é meu filho, eu amo como se tivesse o meu sangue’
Liliane Curim/g1 MA
Há quatro anos, Francisco Silva Gomes, de 63 anos, conseguiu realizar um sonho, adotar legalmente o filho Samuel Gomes, o menino que criou desde recém-nascido.
Ter o nome na certidão de nascimento do filho foi uma luta que durou anos, pois, sendo deficiente visual e morando sozinho, não conseguia autorização da Justiça para adotar Samuel, que hoje tem 11 anos.
A conquista da paternidade legal só foi possível com a intervenção da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE-MA), à qual Francisco recorreu.
“Existe essa Defensoria Pública, onde a pessoa pode recorrer, nós, carentes, que não temos condição de pagar advogado. Foi onde eu recorri, confiei e consegui meus objetivos. E hoje eu tô com o meu filho há 11 anos e tá com 4 anos que eu registrei ele. E tudo que aconteceu na minha vida hoje, eu devo à Defensoria Pública”, destacou Francisco ao g1.
Natural da cidade de Presidente Vargas, a 166 km de São Luís, e morador de São José de Ribamar, na Região Metropolitana de São Luís, Francisco é pai de outras duas filhas biológicas, já maiores de idade, e avô de duas meninas.
Em 2010, ele perdeu a visão dos dois olhos, vítima de um glaucoma. Ele conta que um dia acordou sem enxergar e passou a sofrer com dores nos olhos, problema superado com fé. O pai de Samuel afirma que vive uma vida normal e faz tudo o que gosta, sem depender de outras pessoas.
“Eu sou um deficiente orgulhoso. Eu não gosto muito da pessoa tá me paparicando, segurando no meu braço. Eu gosto de ficar à vontade, de fazer minhas coisas. Eu bato bolo, faço todo tipo de comida, adoro cozinhar. Sou independente, faço vídeo, gosto de dançar. Minha deficiência não me interrompeu e eu não me entreguei à deficiência. Vivo minha vida tranquila, faço de tudo, ajeito a casa. Assim é a minha vida hoje, eu não deixei a deficiência me atingir, me abater”, destaca.
Já vivendo só e sem poder enxergar, Francisco iniciou uma nova fase em sua vida no ano de 2013, aos 51 anos de idade, quando decidiu adotar o pequeno Samuel. O menino é filho biológico de um amigo caminhoneiro, que engravidou uma jovem durante uma viagem pela Baixada Maranhense.
Ao saber da existência do filho desse amigo e de que a mãe não tinha condições de criá-lo, Francisco pediu o menino para ela. Ele conta que Samuel tinha apenas dois meses quando chegou a São Luís, para ser entregue a ele. O momento foi tão marcante que, mesmo sem enxergar, Francisco sentiu a emoção de conhecer o bebê e guarda, até hoje, a camisa que a criança usava no dia do encontro.
“No dia que eu peguei ele, ele estava vestindo essa camisa (veja a foto abaixo), aí eu guardei, e até hoje eu tenho. Todo ano de aniversário dele eu boto na mesa do bolo. É muito lindo, eu choro. Quando fico emocionado, choro. Meu filho era tão pequenininho, e hoje está grandão, um rapaz. Ele tinha dois meses quando chegou usando essa camisa, que ainda ficava folgadinha nele. Passei dois anos sem lavar, cheirava direto, dormia com ela, aí lavei e guardei. Tá guardadinha a camisa do meu filho”, relembra Francisco, emocionado.
Francisco guarda até hoje a camisa usada pelo menino no dia em que a mãe o entregou.
Liliane Cutrim/g1 MA
No começo, foi desafiador criar o bebê, e a filha mais velha de Francisco o ajudava, às vezes, quando ele precisava sair para resolver algo. Mas o cuidado maior sempre foi dele, como pai.
“Quando meu filho era pequeno, eu acordava de madrugada e preparava três mamadeiras de mingau, porque o menino era guloso”, lembra.
Mesmo assim, Francisco enfrentou preconceito de pessoas de fora da sua família, que o julgavam por ser cego e morar sozinho, cuidando de um bebê.
“É uma doença, o preconceito. Diziam: ‘Essa mãe é doida, não tem juízo, dar o filho dela para uma pessoa deficiente criar’. Eu escutava isso, mas dizia que ia criar, e hoje tá aí ele, anda comigo pra todo lugar. Eu digo: ‘meu filho, vamos a tal lugar’, ele vai comigo. É uma pessoa muito inteligente. Hoje é minha companhia. De noite, se eu gemer, ele vem saber o que estou sentindo, faz um chá, me dá um comprimido. Ele é meu filho, amo como se tivesse o meu sangue”, declara Francisco.
Depois de um tempo cuidando do menino, Francisco decidiu que era importante registrá-lo com o filho.
Pai solo e com deficiência visual comemora adoção legal do filho no MA.
Divulgação/Arquivo pessoal
A conquista da adoção legal
Pai solo e com deficiência visual comemora adoção legal do filho no MA
Divulgação/Arquivo pessoal
Samuel tinha apenas o nome da mãe biológica no registro. Mas Francisco também queria ter o nome dele no documento do filho, então decidiu procurar a Justiça, mas se deparou com a burocracia.
“Eu lutei muito, porque existe uma burocracia na Justiça, que uma mulher não pode adotar um menino só, um homem não pode adotar um menino só. E eu acho isso uma grande besteira. Pela minha parte, a lei eu não sei como é”, destaca o aposentado.
Sem condições de contratar um advogado, Francisco recorreu à Defensoria Pública do Estado. Foi em 2021, no Mutirão Nacional de Reconhecimento de Paternidade, realizado pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), em parceria com as Defensorias estaduais, que ele buscou ajuda para realizar o sonho de dar seu nome como pai de Samuel.
No processo de adoção, Samuel, que era registrado apenas com o nome da mãe, passou a ter também o nome do pai biológico. Com a certidão de nascimento completa e a autorização dos pais biológicos, Francisco pôde, enfim, colocar seu nome no registro do filho como pai adotivo.
“No dia 24 de junho de 2022, teve audiência no Fórum para eu registrar o Samuel como pai. O pai dele (biológico) foi comigo, e falamos com a mãe por vídeo (videoconferência). Aí ficou no registro o nome do pai de sangue, da mãe e o meu, como pai adotivo. Eu lutei, e hoje agradeço muito à Defensoria Pública de São Luís, que me deu a maior força. Eu fui lá no mutirão, como existia a burocracia e a dificuldade, e consegui”, relata o aposentado.
Depois de dar entrada no processo de paternidade, Francisco esperou cerca de dois anos à espera da nova certidão de nascimento de Samuel. O documento foi emitido em 2023 e, para Francisco, o registro como pai é, além de uma questão de orgulho em ser reconhecido oficialmente como pai, se deu por causa da segurança jurídica que o menino teria, como herdeiro de seus bens.
“Eu comprei uma casinha, que é dele. Tudo que comprei no meu nome é dele, porque está registrado como meu filho. Pra quando um dia, quando Deus me chamar pra lá pra cima, eu já deixo meu filho arrumado com a casinha dele”, explica.
Apesar de o menino morar com ele, Francisco faz questão de permitir que Samuel mantenha contato com os pais biológicos. O garoto já visitou a mãe, que vive em Maracaçumé, no interior do Maranhão, e sempre frequenta a casa do pai biológico, na Grande São Luís.
“Eu só tenho a agradecer a essa mãe que confiou, sabendo do meu problema, sem a visão, e confiou, me deu o filho dela pra eu criar , e ele está sendo bem-criado. Graças a Deus, estou educando ele do meu jeito, dentro das minhas condições, conversando, tranquilizando, botando ele no caminho certo, mostrando o caminho certo pra ele. Eu sou um pai exemplar. Dou conselho às pessoas que pensam em adotar uma criança, primeiro, se olhe e veja se tem condição de criar um filho alheio. Meu filho não é judiado, eu cuido bem dele”, afirmou.
Francisco Silva Gomes com o filho Samuel.
Divulgação/Arquivo pessoal
Com a experiência que teve com a DPE, Francisco faz questão de elogiar o serviço prestado pela Defensoria Pública. “Eu fico muito orgulhoso com isso. É uma felicidade pra mim, fico emocionado de falar da Defensoria Pública, porque me deram muita atenção, me trataram com carinho. Todas as vezes que procuro a Defensoria, sou bem recebido”.
A vivência com o órgão trouxe, além de gratidão, um sentimento de missão. Sempre que encontra alguém que precisa de algum auxílio, Francisco recomenda procurar a DPE-MA.
“Eu tinha um sobrinho que morava no Pará, tinha 23 anos e não tinha documento. Eu fui lá e consegui o registro dele. Outras pessoas eu já levei também, e consegui o registro pela Defensoria Pública. Então é um órgão muito especial na minha vida. Eu recomendo muito: 'procure a Defensoria Pública, que ela resolve a sua situação'. Quando alguém fala de dificuldade com advogado, qualquer coisa, eu digo: ‘procura a Defensoria Pública, que lá vocês são bem recebidos, vão ser tratados como gente e resolvem as coisas de vocês'”, recomenda.
Outros casos de adoção
Assim como Francisco Gomes, outros cidadãos têm procurado a DPE-MA para solicitar auxílio em processos de adoção. Um desses casos foi do jovem Carlos Alberto Barbosa dos Santos, que foi negligenciado pelos pais biológicos e acabou sendo adotado legalmente pelos irmãos mais velhos, Rosana dos Santos Silva e Roziel Matos dos Santos, em 2023, na cidade de São Luís.
Negligenciado pelos pais biológicos, jovem é adotado legalmente pelos irmãos mais velhos em SL; a adoção entre irmãos é inédita no Maranhão
Divulgação/DPE-MA
A família, que é mora na zona rural de São Luís, contou com a ajuda da DPE-MA, que entrou com o pedido na Justiça, para que fosse feita a primeira adoção germana, que é o perfilhamento entre irmãos, um caso inédito no Maranhão.
Segundo Rosana e Roziel, o irmão caçula, quando tinha apenas um ano de idade, foi negligenciado pelos pais biológicos e esquecido em um estabelecimento da capital maranhense.
Na época, a menino foi levado pelo Conselho Tutelar de São Luís para uma casa de apoio de crianças e adolescentes em situação de risco e, em seguida, foi acolhido pelos irmãos mais velhos, que passaram a ser as referências paterna e materna do menor. Diante dos laços criados entre os irmãos, eles decidiram registrar a adoção.
Um outro caso emblemático foi a adoção de um jovem por casal homoafetivo na cidade de Açailândia, na região tocantina, em março deste ano.
O filho adotado que tem, atualmente, 25 anos de idade, foi acolhido pelo casal desde que era uma criança. Após procurar a DPE-MA, o casal consegiu registrar a filiação na certidão de nascimento e demais documentos do jovem.
“A adoção contribui para a redução do número de pessoas em abrigos, promovendo o direito ao convívio familiar e é uma forma de promover a inclusão social. Infelizmente, ainda há quem não conheça o processo de adoção ou mesmo tenha preconceito em relação ao perfil dos adotantes”, disse Isabela Bacelar.
Para a DPE-MA a adoção legal é uma forma de garantir o direito à convivência familiar para crianças, adolescentes ou mesmo adultos, independentemente da orientação sexual dos adotantes.
“A adoção é um ato de amor e cuidado, e ganha novos contornos quando protagonizada por casais homoafetivos. Essa forma de adoção revela a importância dos laços afetivos e o desejo de construir uma história familiar, independentemente de idade ou gênero”, destacou o defensor público Alexandre Marinho.
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