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Em meio ao mato e à poeira, alunos de zona rural no AC enfrentam condições precárias em casebre sem paredes: 'É muito ruim'

Em meio ao mato e à poeira, alunos de zona rural no AC enfrentam condições precárias em casebre sem paredes: 'É muito ruim'
Estrutura improvisada abriga 17 alunos e duas professoras fixas que se dividem entre educação, limpeza e cozinha para manter unidade funcionando na zona rural de Bujari, no interior do Acre. Apesar das adversidades, comunidade escolar mantém vivo o desejo de vencer na vida por meio dos estudos. Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo - Bujari/AC
Victor Lebre/g1 AC
Quem pensa em uma escola, imagina um local com portão, salas, quadras, bebedouros, banheiros e até jardins e outras estruturas mínimas. Contudo, este não é o caso da Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo, localizada na zona rural de Bujari, no interior do Acre.
Ao ver o local, nem de longe a unidade se aproxima de uma escola estadual. Mas é nela que cerca de 17 alunos, divididos em três turnos, cumprem o ano letivo.
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O município de Bujari fica a cerca de 50 km da capital Rio Branco, porém, a escola fica bem mais afastada, dentro de um longo ramal por volta do km 180 da BR-364.
O g1, junto à TV Globo, foi até a região para ilustrar um pouco da realidade dos estudantes que, em meio às maiores adversidades imagináveis, nutrem, principalmente, a esperança por um futuro melhor.
Os alunos, em sua maioria, são moradores dos ramais do Espinhara e da Funtac, onde estão instaladas diversas comunidades, e, em alguns casos, precisam andar quilômetros para se deslocar até a sala de aula que mais se parece com um casebre utilizado no trabalho rural, que consiste em apenas alguns pilares de madeira sob telhas, sem paredes e sem assoalho, no chão de barro.
Também há uma pequena cozinha, que funciona como despensa e até biblioteca. O compartimento tem bebedouro e também uma geladeira, mas, à época da visita da reportagem, estava quebrada desde outubro. (Veja imagens abaixo)
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A sala improvisada é cercada por mato, e, os próprios pais de alunos precisam fazer uma limpeza para que o local não seja completamente tomado pela vegetação.
Somente há cerca de um mês foi feito um banheiro. Antes, era preciso fazer as necessidades no mato. Não há água encanada, e eles contam com a doação de um vizinho.
Conheça a rotina da Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo, na zona rural de Bujari, no AC
Rotina
Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo - Bujari/AC
Victor Lebre/g1
A professora Célia Amorim se divide entre aulas simultâneas para sétimo e oitavo anos do ensino fundamental pela manhã, e nono ano do ensino fundamental e primeiro ano do ensino médio à tarde. À noite, uma outra professora dá aulas da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A professora, que costuma chegar ao local às 6h30, dorme na casa da cunhada, onde também mora uma das alunas, e fica na escola até às 17h.
Célia também é responsável por preparar os alimentos servidos na hora do lanche.
“Lavo louça, faço merenda. Os alunos, na maioria das vezes, lavam o prato que sujam, e eu lavo o restante. Vou fazer um cuscuz, temos sardinha, macarrão, arroz, feijão. É difícil [cumprir várias funções], só que eu tô me acostumando, né? O dia agora está dividido em dois turnos, mas quando eu comecei, era todo mundo junto de manhã e aí eu não conseguia dar conta”, fala.
A professora Célia Amorim concilia aulas - de tuas turmas diferentes - com o preparo dos alimentos servidos na merenda
Victor Lebre/g1 AC
As aulas começam às 8h, e, entre uma lição e outra, a professora inicia o preparo dos alimentos. Por volta das 9h, o lanche é servido. Os alunos não são obrigados a ajudarem na limpeza, mas, ao verem a rotina atarefada da professora, fazem questão de colaborar.
Por ela também integrar a comunidade, a relação é de amizade com a educadora, mas os alunos reconhecem que a rotina acaba atrapalhando as aulas. Além disso, a infraestrutura precária também incomoda quem precisa da escola. Ao longo do dia, eles precisam até mudar de cadeira para escapar do sol.
“Não é nada contra aqui, porque, pelo menos, a gente tem onde fazer as coisas. Mas é muito ruim, tem muito bicho [insetos] devido ser [perto da] mata, e campo perto. Eu acho que é um pouco difícil também. Principalmente no verão [porque] os caminhões começam a passar, e como não tem nenhuma parede, nem nada, aí a poeira vem toda para nós”, relata Kaianny Jesus de Souza, estudante da unidade, enquanto lava a louça da merenda.
"Não é nada contra aqui, mas é muito ruim, porque tem muito bicho, devido ser mata", disse Kaianny
Victor Lebre/g1 AC
Sonhos
Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo - Bujari/AC
Victor Lebre/g1
Apesar do cenário desolador, a pequena comunidade escolar transmite uma lição de força de vontade. Ainda assim, todos têm consciência de que a realidade – com falta de estrutura e rotina adequados – não deveria ser esta.
Os moradores da comunidade, preocupados com a precariedade do serviço, reclamam há anos da situação. O produtor rural Francisco Silva de Souza é pai de Kaianny e da irmã gêmea dela, Kemely, estudantes da Limoeiro Anexo. Ele também é presidente da associação de moradores, e conta que a unidade, mesmo improvisada, foi fruto de muitas reivindicações.
Atualmente, a região conta com uma escola maior e com mais estrutura, a Escola Limoeiro principal. Entretanto, a localização dela é ainda mais distante que o anexo, e, por conta das condições do ramal, é difícil chegar até lá. O transporte escolar só vai até uma outra escola rural, em quilômetros anteriores ao Limoeiro.
Por conta disso, há cerca de três anos foi montada a sala improvisada para atender aos alunos desta região. Contudo, o que deveria ser uma solução provisória se tornou a única opção para estes estudantes.
"Nós pelejamos [insistimos] para fazerem a escola, e a gente já vem há bastante tempo com essa sala improvisada. E seria mais viável, já que tem uma escola do estado na beira do rio [Antimary, a cerca de 10 km dali, onde funciona a Limoeiro principal], arrumar um transporte escolar, levar esses alunos para a beira do rio onde já é uma escola, que aí não ficaria estudando num local aberto”, avalia.
Francisco é pai de duas estudantes da Limoeiro Anexo e sonha com uma melhor estrutura
Victor Lebre/g1
Doces sonhos
O que toda a comunidade também relata é que a falta da devida estrutura provoca a desistência de diversos alunos.
“Os [alunos] que estão ali, ainda podem ter algum sonho. Mas, para os que desistem, o sonho já está morto”, lamenta Souza.
No caso de Kaianny, filha de Francisco, desistir não é uma opção. Mesmo diante das adversidades, ela sabe bem o que almeja e é grata pela educação que recebe, ainda que não seja a ideal.
“O sonho que eu quero, que se Deus quiser eu conseguir realizar, é ser confeiteira, porque, assim, é uma coisa que eu gosto muito e a gente tem que fazer o que gosta. Mas se não der certo, eu vou me formar em médica veterinária, que eu também gosto muito. Vale a pena, porque tem muitos aqui [na escola] que sonham em se formar”, enfatiza.
Diante dos objetivos dos alunos que, mesmo em uma escola sem paredes, em meio a poeira, calor, insetos e outras dificuldades, comparecem diariamente, a professora Célia espera contribuir e ver o crescimento da comunidade para que a tão sonhada estrutura chegue.
“Com certeza [sonho], com uma sala de aula com quadro, né? Para eu trabalhar com meus alunos, fazer trabalho, atividades. Sempre a gente quer o melhor. Não só para mim, mas para todos”, acrescenta.
O que diz a secretaria de Educação
Após a constatação da realidade desafiadora, o g1 e a TV Globo ouviram representantes da Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEE-AC) para entender como a situação chegou a esse ponto. Os gestores reconhecem que o cenário não é o ideal, mas apontam razões orçamentárias e logísticas como justificativa para os problemas enfrentados na região.
No primeiro dia de visita da reportagem à escola, na terça-feira (3), uma equipe da pasta chegou até a unidade para fazer a entrega mensal de alimentos para a merenda, além de outros mantimentos. Foram entregues sucos, milho para canjica, arroz, farinha e enlatados, além de itens para limpeza. A equipe também visitou a escola principal que fica mais distante dali.
Entretanto, nas duas unidades, a solução encontrada pelo núcleo da SEE no município foi a suspensão das aulas na quarta (4).
Escola Estadual Rural Limoeiro Anexo - Bujari/AC
Victor Lebre/g1
De acordo com o coordenador do setor de Merenda e Patrimônio da pasta no Bujari, Mauri Queiroz, houve uma reunião na qual foi acordado com os pais de estudantes que as aulas no Anexo seriam suspensas até a construção de uma outra escola que está em andamento na região. A conclusão está prevista para até 40 dias, segundo a secretaria, e também será mantida por meio de parceria entre estado e município.
Porém, na sexta (6), o secretário Aberson Carvalho disse não ter sido informado das decisões e determinou o retorno das aulas.
Sobre a falta de estrutura na Limoeiro Anexo, o gestor da pasta reconheceu que a situação está longe do ideal. Ele também ressaltou que a unidade improvisada foi uma solução temporária para atender uma demanda da comunidade. O serviço é mantido por meio de parceria entre estado e município.
"Essa cooperação entre estado e prefeitura, ela é em todos os municípios do Acre. Porque o custo da educação do campo, a educação na floresta, é muito alto. Hoje, por exemplo, nessa escola Limoeiro II, que é o Anexo, nós temos a questão de dois a três professores contratados para essa escola. Se você fizer o cálculo do salário destes profissionais, que vai dar em torno de R$ 24 mil por mês, todos eles juntos, ou R$ 18 mil, por aí, nós vamos ter, mais ou menos até o final do ano, quase R$ 220 mil de custos só em professores. Não estamos falando de merenda, não estamos falando de outros complementos", explicou.
Geladeira está quebrada desde outubro, e deve ser trocada, segundo a SEE-AC
Victor Lebre/g1AC
Ainda de acordo com Carvalho, outra dificuldade é na contratação de professores. Em geral, na educação rural, os professores costumam ser moradores das comunidades, já que outros profissionais podem ter maior relutância em se deslocar até as regiões afastadas dos centros urbanos.
"Além disso, nós temos ainda uma arrecadação com 18 alunos, mais ou menos R$ 150 mil. Então, quando você olha essas escolas, chamadas escolas do campo, precisa-se ter um olhar muito mais estratégico do poder público. É necessário [que] o Ministério da Educação, secretarias estaduais e municipais trabalhem de forma articulada para garantir que esses estudantes tenham o seu direito ao ensino. O Estado do Acre oferece, mesmo com essa situação precária, a garantia do profissional para que ele fique na comunidade estudando. Isso é um direito garantido que nós buscamos assistir sempre que podemos", pontuou.
Perguntado sobre o tempo durante o qual os alunos têm sido expostos a essa situação, o secretário também reconheceu ser elevado, mas, voltou a ressaltar as dificuldades orçamentárias. Ele também argumentou que a necessidade de conciliar diferentes tarefas que, inclusive, fogem do ensino, é uma prerrogativa do posto de professor em algumas destas regiões afastadas.
"Não existe dinheiro que você faz uma mágica e a coisa acontece. O aluno tem o seu custo e tem a sua arrecadação. E, nesses dois anos, só de mão de obra, eu tenho um custo maior do que a arrecadação. No Acre, são 380 escolas do campo e indígenas e, nessas escolas, nós temos somente 17% dos nossos estudantes, que são de áreas de difícil acesso. E essas escolas, elas têm uma complexidade. Como muitas vezes o professor precisa fazer merenda, o professor, muitas vezes, ele limpa. Essa escola foi um pedido em atenção à comunidade, que nós aceitamos, colocamos, com o propósito do investimento", acrescentou.
"Essa escola foi um pedido em atenção à comunidade, que nós aceitamos, colocamos, com o propósito do investimento", disse o secretário Aberson Carvalho
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