Por que homens se sentem 'tristes' quando suas mulheres ganham mais que eles

O valor que recebemos pelo nosso trabalho pode afetar nossa saúde mental, especialmente quando nos comparamos com as pessoas à nossa volta. E pode influenciar particularmente os homens.
Getty Images via BBC
"Você fica com o orgulho meio ferido quando a sua esposa é quem ganha todo o dinheiro", conta Dave, pai que cuida dos afazeres domésticos.
"Sabe, quando eu saio com meus amigos... você diz a eles que fica em casa e... eles acham que você é meio feminino", conta Tom.
Ambos participaram de uma pesquisa profunda que entrevistou homens e mulheres sobre o impacto das mulheres provedoras sobre os relacionamentos.
Outro entrevistado, Brendon, tem boas razões para se sentir julgado. Familiares o rotularam de "vadio da casa".
Estes são apenas três exemplos dos julgamentos vivenciados por homens que não têm empregos fora de casa e cujas parceiras são as principais provedoras da família.
Os homens disseram no estudo que se sentiam julgados, em parte, porque a sociedade considera há muito tempo que os homens são os principais provedores.
Mas cada vez mais mulheres estão ganhando mais do que seus parceiros homens. E este aumento gradual de mulheres provedoras traz impactos influentes e duradouros sobre a dinâmica de poder, tanto em casa, quanto na sociedade como um todo
Uma razão importante da influência destas mudanças na dinâmica familiar se deve ao fato de que o dinheiro está muito relacionado ao poder.
Homens que não são os principais provedores da casa, como esperam alguns setores da sociedade, podem se sentir desempoderados. Sua saúde mental é prejudicada e até a probabilidade de divórcio aumenta.
De forma geral, os homens ainda costumam ganhar mais do que as mulheres.
E, entre os casais com filhos, as mulheres cuidam mais da casa e das crianças do que os homens – uma discrepância que persiste em todo o mundo.
Acredita-se que parte do motivo sejam as expectativas de gênero. Mas, em alguns casos, esta situação pode também refletir uma necessidade econômica, que leva a priorizar a carreira do parceiro que ganha mais.
Com isso, as mulheres são deixadas para trás com mais frequência, em cargos flexíveis de meio período.
Apesar do aumento das mulheres provedoras, as posturas de gênero em relação ao trabalho remunerado e doméstico vêm mudando de forma mais lenta.
Mesmo quando as mulheres são as principais provedoras, elas ainda cuidam mais da casa e das crianças do que seus parceiros homens, que ganham menos.
E, embora o apoio à igualdade de gênero tenha aumentado em algumas faixas etárias, a satisfação dos homens ainda é reduzida, quando eles ganham menos que as suas parceiras.
Cada vez mais pesquisas demonstram que uma parceira que ganha mais pode afetar a autoestima e a felicidade dos homens.
Mas até que ponto este é um problema sério? E o que pode ser feito para ajudar os homens a se ajustarem à sua nova realidade?
'Pode ser devastador'
Os homens consideram que é um certo tabu até mesmo falar sobre os impactos que surgem quando a sua parceira se torna a provedora da casa.
Eles podem apoiar a carreira da parceira, mas ainda sentir que não estão cumprindo com seu papel de "provedores". Afinal, muitas das antigas premissas sobre a masculinidade ainda predominam na sociedade.
Isso ocorre especialmente quando os homens passam a ficar em casa inesperadamente, por motivos de perda de emprego ou relocação, não por escolha própria.
O ex-consultor Harry Bunton, agora, é influenciador de redes sociais em ascensão em Sydney, na Austrália. Ele perdeu recentemente seu emprego.
Bunton passou a postar nas redes sociais, para milhares de pessoas, que "seus valores como homem, marido e pai" foram atingidos.
"Faz sentido para mim por que existe um índice tão grande de depressão, e coisas piores, naquela população", escreveu ele. "Pode ser realmente devastador quando os planos não dão certo e, de fato, isso pode questionar suas ideias do que significa ser homem."
"Minha esperança é que, contando esta história, as pessoas possam se identificar com ela e ver que seu valor não é definido por eventos como este... Eu me sinto quase empoderado para ser o pai que quero ser."
Bunton assumiu uma visão positiva sobre a mudança do seu estilo de vida. Seu exemplo mostra que a relação entre o salário do homem e os ganhos da sua parceira pode afetar a saúde mental.
Um estudo recente entre casais heterossexuais na Suécia, por exemplo, examinou seus dados de receita por 10 anos e seus diagnósticos de saúde mental, em busca de padrões.
Os pesquisadores concluíram que, quando as esposas começaram a ganhar mais que seus parceiros, houve aumento dos diagnósticos de saúde mental entre os homens.
O aumento entre todos os participantes cujos parceiros ganhavam mais (incluindo as mulheres) foi de até 8%, mas a elevação foi mais pronunciada entre os homens, de até 11%.
Para saber mais a respeito, enquanto escrevia meu próximo livro, Breadwinners ("Provedores", em tradução livre), conversei com o professor Demid Getik, do Departamento de Economia da Universidade de Durham, no Reino Unido, que liderou este estudo.
Ele me disse que talvez tenhamos deixado de ouvir explicitamente que os homens deveriam ganhar mais do que as mulheres, mas estas expectativas ainda prevalecem.
O aumento dos diagnósticos de saúde mental entre os homens cujas parceiras começaram a ganhar mais do que eles, segundo Getik, também pode ser uma indicação de que estes casais demonstram menos satisfação no relacionamento. Mas seus dados não avaliaram especificamente esta questão.
Pressões econômicas
Outra pesquisa demonstrou que os maridos de mulheres que ganham mais são mais propensos a traí-las. Os autores afirmam que esta pode ser uma forma de reafirmar sua identidade masculina, que teria sido ameaçada pelas esposas provedoras.
As pesquisas também indicam que a pressão para que os homens sejam os provedores é um fator que contribui para o seu bem-estar.
Já se demonstrou que, quando estão sem trabalho, os homens apresentam maiores índices de depressão, em comparação com as mulheres desempregadas.
Uma possível explicação é que as mulheres costumam ter laços sociais mais fortes fora do trabalho do que os homens. Por isso, os pais que ficam em casa costumam ficar mais isolados do que as mães na mesma situação.
Para compreender por que o bem-estar apresenta relação tão forte com o nosso salário, é preciso corrigir uma ideia errônea.
As mulheres provedoras, muitas vezes, são estereotipadas como sendo empoderadas e dedicadas à carreira. Mas, em muitos casais, a mulher provedora é consequência da perda de emprego pelo homem, o que gera estresse econômico na família.
Isso é particularmente frequente, já que as pesquisas indicam que, em casais onde apenas a mulher trabalha, a renda doméstica média é inferior, em comparação com os casais com provedores homens. Este é um reflexo da disparidade salarial entre homens e mulheres.
Este fator levou a professora Helen Kowalewska, do Departamento de Política Social da Universidade de Bath, no Reino Unido, e sua equipe a destacar em um relatório de pesquisa que "a maioria dos países não trabalha o suficiente para compensar a penalização sofrida pela mulher provedora".
Ela defende que os sistemas de assistência social deveriam fazer mais para ajudar nesta situação, que faz com que toda a família acabe tendo renda mais baixa.
Nem tudo é ruim
Ainda assim, quando os homens se afastam do trabalho remunerado, pode haver impactos positivos para a família.
No Reino Unido, de forma geral, os pais hoje passam mais tempo com seus filhos do que no passado. E pesquisas indicam que os pais que ficam em casa costumam passar mais tempo de qualidade com as crianças.
Como é esperado, os pais que ficam em casa cuidam mais das crianças do que os pais ou mães que trabalham fora. Mas eles não costumam aumentar sua parcela de participação no trabalho doméstico, que é praticamente idêntica à das mães neste cenário.
Em todas as outras situações, as mulheres cuidam mais da casa, segundo um relatório com dados dos Estados Unidos, elaborado pelo instituto Pew Research Center em 2023.
A licença-paternidade
Muitos países, como o Brasil, oferecem períodos mínimos de licença-paternidade. Mas, quando os pais tiram esta licença, a satisfação do casal pode aumentar, bem como o envolvimento dos pais com as crianças, mesmo quando eles retornam ao trabalho.
Os pais que tiram licença-paternidade demonstram laços mais fortes com seus filhos. E estes, por sua vez, terão mais probabilidade de crescer presenciando uma divisão de trabalho mais equitativa.
Isso significa que a forma em que os pais dividem as tarefas domésticas irá definir o que seus filhos irão esperar na idade adulta. E a divisão mais equitativa do trabalho doméstico também ajuda as mulheres a exercer suas carreiras com mais facilidade e, com isso, aumentar seu potencial de ganhos.
Mas os benefícios destas mudanças sociais para as mulheres são ainda maiores
Um estudo realizado com famílias mexicanas concluiu que, quanto mais oportunidades de trabalho as mulheres têm fora de casa, mais poder elas também detêm em outros setores.
Em outras palavras, elas ganham maior poder de barganha sobre as decisões financeiras mais importantes.
Outras pesquisas confirmam esta conclusão. Se uma mulher for financeiramente empoderada em locais onde historicamente ocorria o contrário, esta situação pode naturalmente trazer impactos positivos sobre seu poder aquisitivo, sua autonomia e sua carreira
A mudança das normas, fazendo com que os homens saiam do trabalho para cumprir com compromissos familiares se torne rotineira, pode aumentar o bem-estar de toda a família
Dados suecos indicam, por exemplo, que, quando a licença-paternidade foi introduzida no país e os pais ganharam o chamado "mês do papai", em 1995, o primeiro grupo de homens que participaram desta experiência sofreu redução da estabilidade conjugal e a probabilidade de separação aumentou.
Mas, quando o período de licença aumentou para dois meses, em 2002, isso já não ocorreu.
Atualmente, os pais e mães da Suécia contam com três meses disponíveis cada um, que são perdidos se não forem usados. E os índices de uso do benefício pelos pais, como seria esperado, são altos.
Na verdade, hoje, o tabu para os pais é perder esta licença-paternidade concedida.
'Menos homem'
Apesar da maior conscientização da importância de empoderar as mulheres hoje em dia, as opiniões permanecem polarizadas.
Uma recente pesquisa do instituto Ipsos, realizada pelo King's College de Londres, concluiu que a geração Z (a mais jovem participante da pesquisa, na época com idades entre 18 e 28 anos) era a mais dividida.
Uma pesquisa global entre quase 24 mil indivíduos concluiu que os homens jovens apresentavam maior probabilidade de concordar que um pai que fica em casa para cuidar dos seus filhos é "menos homem".
Entre os homens da geração Z, 28% concordaram com esta afirmação, mas apenas 19% das mulheres da mesma geração estavam de acordo. E, em todas as outras faixas etárias, os índices eram mais baixos.
Quando questionados sobre a afirmação "espera-se que os homens façam muito para apoiar a igualdade", 60% dos homens da geração Z concordaram, contra 38% das mulheres da mesma geração. E, entre os baby boomers (pessoas nascidas entre 1946 e 1964), estes índices caíram para 44% e 31%, respectivamente.
A professora de trabalho e emprego Heejung Chung, do King's College de Londres, é uma das autoras do estudo.
Ela declarou que estas posturas estão diminuindo, em parte, porque as mulheres jovens, agora, recebem maior formação universitária do que os homens jovens.
Talvez por consequência, segundo ela, as mulheres com pouco mais de 20 anos de idade ganham um pouco a mais do que os homens. E, pela primeira vez, existem agora mais mulheres do que homens exercendo a medicina no Reino Unido.
"De fato, observamos sinais de paridade de gênero em certas áreas", explica Chung.
E estes indivíduos mais jovens talvez não vivenciem a desigualdade maior que muitas mulheres ainda enfrentam hoje em dia, o que leva à visão de que alguns homens jovens "estão ficando para trás".
Outro motivo desta divisão de posturas em relação à igualdade pode ocorrer porque as ideias sobre o que representa a masculinidade não estão mudando em toda parte.
Pesquisas da professora de política Rosie Campbell, também do King's College de Londres, encontraram aumento da polarização de opiniões sobre a masculinidade, particularmente entre a geração mais jovem.
Homens e mulheres discordam, por exemplo, sobre temas como se é mais difícil ser homem ou mulher hoje em dia.
"O feminismo deve tratar da igualdade de gêneros, para homens e mulheres", explica ela. "É claro que a inclusão do termo 'feminino' no nome pode soar um tanto excludente."
Por isso, Campbell defende conversas mais abertas com os jovens, especialmente na escola, sobre o que significam os termos feminismo e masculinidade.
"Precisamos pensar mais em como nos comunicamos com os homens jovens sobre o que é ser homem hoje em dia e qual tipo de modelos eles têm", segundo e
Isso é especialmente importante quando consideramos o aumento das influências misóginas online, como foi recentemente retratado pela série Adolescência, da Netflix.
A 'masculinidade cuidadosa'
Apesar destas conclusões, a pesquisa mais recente de Chung e seus colegas demonstra que a maioria concorda que é importante atingir a igualdade de gênero.
Existe um pequeno, mas crescente grupo de pesquisas, demonstrando que os homens estão mudando sua compreensão da masculinidade e da paternidade. Estes conceitos estão passando a envolver cuidado, empatia e outras habilidades conhecidas como soft skills, que são consideradas tipicamente femininas.
Esta compreensão substitui a ideia de que a masculinidade significa poder ganhar mais para cuidar da família. São habilidades hoje conhecidas como "masculinidade cuidadosa".
"Não é apenas questão de homens que fazem coisas agradáveis e são muito recompensados. É questão de que eles participem daquelas partes difíceis e chatas do trabalho", explica a estudiosa de gênero Karla Elliott, da Universidade Monash em Melbourne, na Austrália.
Seu trabalho demonstra que assumir uma parcela maior destas tarefas práticas de cuidado e atenção gera uma disposição mais acolhedora.
Elliott explica que, para que este novo conceito de masculinidade se espalhe e os homens assumam mais tarefas deste tipo, eles também precisam rejeitar a dominação e a desigualdade
Pesquisadores defendem que as políticas que aumentam a licença-paternidade (e que, especificamente, reservem a licença para os homens) podem ajudar a aumentar o foco dos pais nos cuidados. E isso, por sua vez, reduz a responsabilidade dos homens como provedores e ajuda as mulheres a ganhar mais.
É preciso tempo
As mudanças políticas podem levar tempo. Por isso, uma solução que todos nós podemos pôr em prática é emitir mensagens positivas sobre a nossa expectativa de mudança dos nossos papéis na sociedade.
"Aqui, existe uma grande oportunidade", afirma Elliott.
"Se os homens perceberem que os ganhos da sua parceira prejudicam sua autoestima, esta é uma ótima chance para que eles reflitam sobre os motivos por que se sentem desta forma – e, possivelmente, questionem algumas das ideias enraizadas sobre os papéis de gênero."
Como o número de mulheres provedoras está aumentando, esta mudança econômica, com o tempo, pode vir a ser normalizada. Com isso, nos casais com filhos, os homens precisarão se adaptar, aumentando o trabalho flexível e a assistência às crianças.
Esta adaptação, por sua vez, ajudará a empoderar as esposas com salários mais altos a exercer suas carreiras
Todo este processo levará tempo. Mas esta mudança de atitude pode abrir o caminho para minimizar as expectativas sociais sobre o homem provedor e a mulher que cuida da casa.
E é desta forma que será possível aumentar a satisfação nos relacionamentos e criar um equilíbrio de poder mais saudável.
Getty Images via BBC
"Você fica com o orgulho meio ferido quando a sua esposa é quem ganha todo o dinheiro", conta Dave, pai que cuida dos afazeres domésticos.
"Sabe, quando eu saio com meus amigos... você diz a eles que fica em casa e... eles acham que você é meio feminino", conta Tom.
Ambos participaram de uma pesquisa profunda que entrevistou homens e mulheres sobre o impacto das mulheres provedoras sobre os relacionamentos.
Outro entrevistado, Brendon, tem boas razões para se sentir julgado. Familiares o rotularam de "vadio da casa".
Estes são apenas três exemplos dos julgamentos vivenciados por homens que não têm empregos fora de casa e cujas parceiras são as principais provedoras da família.
Os homens disseram no estudo que se sentiam julgados, em parte, porque a sociedade considera há muito tempo que os homens são os principais provedores.
Mas cada vez mais mulheres estão ganhando mais do que seus parceiros homens. E este aumento gradual de mulheres provedoras traz impactos influentes e duradouros sobre a dinâmica de poder, tanto em casa, quanto na sociedade como um todo
Uma razão importante da influência destas mudanças na dinâmica familiar se deve ao fato de que o dinheiro está muito relacionado ao poder.
Homens que não são os principais provedores da casa, como esperam alguns setores da sociedade, podem se sentir desempoderados. Sua saúde mental é prejudicada e até a probabilidade de divórcio aumenta.
De forma geral, os homens ainda costumam ganhar mais do que as mulheres.
E, entre os casais com filhos, as mulheres cuidam mais da casa e das crianças do que os homens – uma discrepância que persiste em todo o mundo.
Acredita-se que parte do motivo sejam as expectativas de gênero. Mas, em alguns casos, esta situação pode também refletir uma necessidade econômica, que leva a priorizar a carreira do parceiro que ganha mais.
Com isso, as mulheres são deixadas para trás com mais frequência, em cargos flexíveis de meio período.
Apesar do aumento das mulheres provedoras, as posturas de gênero em relação ao trabalho remunerado e doméstico vêm mudando de forma mais lenta.
Mesmo quando as mulheres são as principais provedoras, elas ainda cuidam mais da casa e das crianças do que seus parceiros homens, que ganham menos.
E, embora o apoio à igualdade de gênero tenha aumentado em algumas faixas etárias, a satisfação dos homens ainda é reduzida, quando eles ganham menos que as suas parceiras.
Cada vez mais pesquisas demonstram que uma parceira que ganha mais pode afetar a autoestima e a felicidade dos homens.
Mas até que ponto este é um problema sério? E o que pode ser feito para ajudar os homens a se ajustarem à sua nova realidade?
'Pode ser devastador'
Os homens consideram que é um certo tabu até mesmo falar sobre os impactos que surgem quando a sua parceira se torna a provedora da casa.
Eles podem apoiar a carreira da parceira, mas ainda sentir que não estão cumprindo com seu papel de "provedores". Afinal, muitas das antigas premissas sobre a masculinidade ainda predominam na sociedade.
Isso ocorre especialmente quando os homens passam a ficar em casa inesperadamente, por motivos de perda de emprego ou relocação, não por escolha própria.
O ex-consultor Harry Bunton, agora, é influenciador de redes sociais em ascensão em Sydney, na Austrália. Ele perdeu recentemente seu emprego.
Bunton passou a postar nas redes sociais, para milhares de pessoas, que "seus valores como homem, marido e pai" foram atingidos.
"Faz sentido para mim por que existe um índice tão grande de depressão, e coisas piores, naquela população", escreveu ele. "Pode ser realmente devastador quando os planos não dão certo e, de fato, isso pode questionar suas ideias do que significa ser homem."
"Minha esperança é que, contando esta história, as pessoas possam se identificar com ela e ver que seu valor não é definido por eventos como este... Eu me sinto quase empoderado para ser o pai que quero ser."
Bunton assumiu uma visão positiva sobre a mudança do seu estilo de vida. Seu exemplo mostra que a relação entre o salário do homem e os ganhos da sua parceira pode afetar a saúde mental.
Um estudo recente entre casais heterossexuais na Suécia, por exemplo, examinou seus dados de receita por 10 anos e seus diagnósticos de saúde mental, em busca de padrões.
Os pesquisadores concluíram que, quando as esposas começaram a ganhar mais que seus parceiros, houve aumento dos diagnósticos de saúde mental entre os homens.
O aumento entre todos os participantes cujos parceiros ganhavam mais (incluindo as mulheres) foi de até 8%, mas a elevação foi mais pronunciada entre os homens, de até 11%.
Para saber mais a respeito, enquanto escrevia meu próximo livro, Breadwinners ("Provedores", em tradução livre), conversei com o professor Demid Getik, do Departamento de Economia da Universidade de Durham, no Reino Unido, que liderou este estudo.
Ele me disse que talvez tenhamos deixado de ouvir explicitamente que os homens deveriam ganhar mais do que as mulheres, mas estas expectativas ainda prevalecem.
O aumento dos diagnósticos de saúde mental entre os homens cujas parceiras começaram a ganhar mais do que eles, segundo Getik, também pode ser uma indicação de que estes casais demonstram menos satisfação no relacionamento. Mas seus dados não avaliaram especificamente esta questão.
Pressões econômicas
Outra pesquisa demonstrou que os maridos de mulheres que ganham mais são mais propensos a traí-las. Os autores afirmam que esta pode ser uma forma de reafirmar sua identidade masculina, que teria sido ameaçada pelas esposas provedoras.
As pesquisas também indicam que a pressão para que os homens sejam os provedores é um fator que contribui para o seu bem-estar.
Já se demonstrou que, quando estão sem trabalho, os homens apresentam maiores índices de depressão, em comparação com as mulheres desempregadas.
Uma possível explicação é que as mulheres costumam ter laços sociais mais fortes fora do trabalho do que os homens. Por isso, os pais que ficam em casa costumam ficar mais isolados do que as mães na mesma situação.
Para compreender por que o bem-estar apresenta relação tão forte com o nosso salário, é preciso corrigir uma ideia errônea.
As mulheres provedoras, muitas vezes, são estereotipadas como sendo empoderadas e dedicadas à carreira. Mas, em muitos casais, a mulher provedora é consequência da perda de emprego pelo homem, o que gera estresse econômico na família.
Isso é particularmente frequente, já que as pesquisas indicam que, em casais onde apenas a mulher trabalha, a renda doméstica média é inferior, em comparação com os casais com provedores homens. Este é um reflexo da disparidade salarial entre homens e mulheres.
Este fator levou a professora Helen Kowalewska, do Departamento de Política Social da Universidade de Bath, no Reino Unido, e sua equipe a destacar em um relatório de pesquisa que "a maioria dos países não trabalha o suficiente para compensar a penalização sofrida pela mulher provedora".
Ela defende que os sistemas de assistência social deveriam fazer mais para ajudar nesta situação, que faz com que toda a família acabe tendo renda mais baixa.
Nem tudo é ruim
Ainda assim, quando os homens se afastam do trabalho remunerado, pode haver impactos positivos para a família.
No Reino Unido, de forma geral, os pais hoje passam mais tempo com seus filhos do que no passado. E pesquisas indicam que os pais que ficam em casa costumam passar mais tempo de qualidade com as crianças.
Como é esperado, os pais que ficam em casa cuidam mais das crianças do que os pais ou mães que trabalham fora. Mas eles não costumam aumentar sua parcela de participação no trabalho doméstico, que é praticamente idêntica à das mães neste cenário.
Em todas as outras situações, as mulheres cuidam mais da casa, segundo um relatório com dados dos Estados Unidos, elaborado pelo instituto Pew Research Center em 2023.
A licença-paternidade
Muitos países, como o Brasil, oferecem períodos mínimos de licença-paternidade. Mas, quando os pais tiram esta licença, a satisfação do casal pode aumentar, bem como o envolvimento dos pais com as crianças, mesmo quando eles retornam ao trabalho.
Os pais que tiram licença-paternidade demonstram laços mais fortes com seus filhos. E estes, por sua vez, terão mais probabilidade de crescer presenciando uma divisão de trabalho mais equitativa.
Isso significa que a forma em que os pais dividem as tarefas domésticas irá definir o que seus filhos irão esperar na idade adulta. E a divisão mais equitativa do trabalho doméstico também ajuda as mulheres a exercer suas carreiras com mais facilidade e, com isso, aumentar seu potencial de ganhos.
Mas os benefícios destas mudanças sociais para as mulheres são ainda maiores
Um estudo realizado com famílias mexicanas concluiu que, quanto mais oportunidades de trabalho as mulheres têm fora de casa, mais poder elas também detêm em outros setores.
Em outras palavras, elas ganham maior poder de barganha sobre as decisões financeiras mais importantes.
Outras pesquisas confirmam esta conclusão. Se uma mulher for financeiramente empoderada em locais onde historicamente ocorria o contrário, esta situação pode naturalmente trazer impactos positivos sobre seu poder aquisitivo, sua autonomia e sua carreira
A mudança das normas, fazendo com que os homens saiam do trabalho para cumprir com compromissos familiares se torne rotineira, pode aumentar o bem-estar de toda a família
Dados suecos indicam, por exemplo, que, quando a licença-paternidade foi introduzida no país e os pais ganharam o chamado "mês do papai", em 1995, o primeiro grupo de homens que participaram desta experiência sofreu redução da estabilidade conjugal e a probabilidade de separação aumentou.
Mas, quando o período de licença aumentou para dois meses, em 2002, isso já não ocorreu.
Atualmente, os pais e mães da Suécia contam com três meses disponíveis cada um, que são perdidos se não forem usados. E os índices de uso do benefício pelos pais, como seria esperado, são altos.
Na verdade, hoje, o tabu para os pais é perder esta licença-paternidade concedida.
'Menos homem'
Apesar da maior conscientização da importância de empoderar as mulheres hoje em dia, as opiniões permanecem polarizadas.
Uma recente pesquisa do instituto Ipsos, realizada pelo King's College de Londres, concluiu que a geração Z (a mais jovem participante da pesquisa, na época com idades entre 18 e 28 anos) era a mais dividida.
Uma pesquisa global entre quase 24 mil indivíduos concluiu que os homens jovens apresentavam maior probabilidade de concordar que um pai que fica em casa para cuidar dos seus filhos é "menos homem".
Entre os homens da geração Z, 28% concordaram com esta afirmação, mas apenas 19% das mulheres da mesma geração estavam de acordo. E, em todas as outras faixas etárias, os índices eram mais baixos.
Quando questionados sobre a afirmação "espera-se que os homens façam muito para apoiar a igualdade", 60% dos homens da geração Z concordaram, contra 38% das mulheres da mesma geração. E, entre os baby boomers (pessoas nascidas entre 1946 e 1964), estes índices caíram para 44% e 31%, respectivamente.
A professora de trabalho e emprego Heejung Chung, do King's College de Londres, é uma das autoras do estudo.
Ela declarou que estas posturas estão diminuindo, em parte, porque as mulheres jovens, agora, recebem maior formação universitária do que os homens jovens.
Talvez por consequência, segundo ela, as mulheres com pouco mais de 20 anos de idade ganham um pouco a mais do que os homens. E, pela primeira vez, existem agora mais mulheres do que homens exercendo a medicina no Reino Unido.
"De fato, observamos sinais de paridade de gênero em certas áreas", explica Chung.
E estes indivíduos mais jovens talvez não vivenciem a desigualdade maior que muitas mulheres ainda enfrentam hoje em dia, o que leva à visão de que alguns homens jovens "estão ficando para trás".
Outro motivo desta divisão de posturas em relação à igualdade pode ocorrer porque as ideias sobre o que representa a masculinidade não estão mudando em toda parte.
Pesquisas da professora de política Rosie Campbell, também do King's College de Londres, encontraram aumento da polarização de opiniões sobre a masculinidade, particularmente entre a geração mais jovem.
Homens e mulheres discordam, por exemplo, sobre temas como se é mais difícil ser homem ou mulher hoje em dia.
"O feminismo deve tratar da igualdade de gêneros, para homens e mulheres", explica ela. "É claro que a inclusão do termo 'feminino' no nome pode soar um tanto excludente."
Por isso, Campbell defende conversas mais abertas com os jovens, especialmente na escola, sobre o que significam os termos feminismo e masculinidade.
"Precisamos pensar mais em como nos comunicamos com os homens jovens sobre o que é ser homem hoje em dia e qual tipo de modelos eles têm", segundo e
Isso é especialmente importante quando consideramos o aumento das influências misóginas online, como foi recentemente retratado pela série Adolescência, da Netflix.
A 'masculinidade cuidadosa'
Apesar destas conclusões, a pesquisa mais recente de Chung e seus colegas demonstra que a maioria concorda que é importante atingir a igualdade de gênero.
Existe um pequeno, mas crescente grupo de pesquisas, demonstrando que os homens estão mudando sua compreensão da masculinidade e da paternidade. Estes conceitos estão passando a envolver cuidado, empatia e outras habilidades conhecidas como soft skills, que são consideradas tipicamente femininas.
Esta compreensão substitui a ideia de que a masculinidade significa poder ganhar mais para cuidar da família. São habilidades hoje conhecidas como "masculinidade cuidadosa".
"Não é apenas questão de homens que fazem coisas agradáveis e são muito recompensados. É questão de que eles participem daquelas partes difíceis e chatas do trabalho", explica a estudiosa de gênero Karla Elliott, da Universidade Monash em Melbourne, na Austrália.
Seu trabalho demonstra que assumir uma parcela maior destas tarefas práticas de cuidado e atenção gera uma disposição mais acolhedora.
Elliott explica que, para que este novo conceito de masculinidade se espalhe e os homens assumam mais tarefas deste tipo, eles também precisam rejeitar a dominação e a desigualdade
Pesquisadores defendem que as políticas que aumentam a licença-paternidade (e que, especificamente, reservem a licença para os homens) podem ajudar a aumentar o foco dos pais nos cuidados. E isso, por sua vez, reduz a responsabilidade dos homens como provedores e ajuda as mulheres a ganhar mais.
É preciso tempo
As mudanças políticas podem levar tempo. Por isso, uma solução que todos nós podemos pôr em prática é emitir mensagens positivas sobre a nossa expectativa de mudança dos nossos papéis na sociedade.
"Aqui, existe uma grande oportunidade", afirma Elliott.
"Se os homens perceberem que os ganhos da sua parceira prejudicam sua autoestima, esta é uma ótima chance para que eles reflitam sobre os motivos por que se sentem desta forma – e, possivelmente, questionem algumas das ideias enraizadas sobre os papéis de gênero."
Como o número de mulheres provedoras está aumentando, esta mudança econômica, com o tempo, pode vir a ser normalizada. Com isso, nos casais com filhos, os homens precisarão se adaptar, aumentando o trabalho flexível e a assistência às crianças.
Esta adaptação, por sua vez, ajudará a empoderar as esposas com salários mais altos a exercer suas carreiras
Todo este processo levará tempo. Mas esta mudança de atitude pode abrir o caminho para minimizar as expectativas sociais sobre o homem provedor e a mulher que cuida da casa.
E é desta forma que será possível aumentar a satisfação nos relacionamentos e criar um equilíbrio de poder mais saudável.
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