Linnpy

G
G1
1d

Condenação de Léo Lins reacende debate sobre limites do humor e da liberdade de expressão; veja o que dizem juristas

Condenação de Léo Lins reacende debate sobre limites do humor e da liberdade de expressão; veja o que dizem juristas
Justiça Federal condenou humorista a oito anos e três meses de prisão, além do pagamento de multa e indenização por danos morais coletivos. Defesa dele sustenta que não houve intenção de ofender, discriminar ou diminuir qualquer grupo. Em vídeo de show de comédia, humorista Léo Lins faz piadas com minorias
Reprodução/Youtube
A condenação do humorista Léo Lins por piadas preconceituosas durante o show de stand-up, denominado "Perturbador", reacendeu o debate sobre os limites do humor e da liberdade de expressão.
Parte do público viu a decisão judicial como uma forma de censura ou repressão ao pensamento, alegando que o humor deve ser um espaço livre. Contudo, outra parte afirma que o humor não pode ser usado como ferramenta para legitimar discursos racistas e preconceituosos.
✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp
No show, o humorista fez declarações ofensivas contra negros, idosos, obesos, pessoas com HIV, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus e pessoas com deficiência. O stand-up foi gravado em 2022 e publicado no perfil do Youtube dele, somando mais de 3 milhões de visualizações.
Na terça (3), a Justiça Federal condenou Léo Lins a oito anos e três meses de prisão, além do pagamento de multa equivalente a 1.170 salários-mínimos (em valores da época da gravação) e de indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Ainda cabe recurso.
Segundo especialistas em Direito Penal ouvidos pelo g1 e pela GloboNews, a liberdade de expressão é um dos pilares da democracia, mas não é um direito absoluto. Há limites que devem ser respeitados, inclusive no meio artístico.
Nesta reportagem, o g1 explica:
O que diz a sentença?
O que é liberdade de expressão?
Qual é o limite do humor?
Por que a dosimetria da pena foi alta?
O que diz o humorista?
O que diz a sentença?
Na sentença, a juíza Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, afirma que Léo Lins tem "a prática de discursos discriminatórios como meio de vida, inclusive que consistem em fonte de renda".
Durante o interrogatório, o humorista confirmou que a internet proporciona remuneração por meio da publicação dos seus shows.
Para a magistrada, as ofensas contra diversas minorias, camufladas nas piadas, fomentam a prática dos chamados “discursos de ódio”. O humor também não pode ser usado como um "passe-livre" para o cometimento de crimes, afirma Iseppi.
"A ocorrência de atos como os ora julgados certamente estimulam a propagação de violência verbal na sociedade, fomentando a não-aceitação das diferenças e a intolerância, prática nociva e que deve ser desencorajada. Assim, tal efeito extrapola as consequências normais do tipo penal, devendo ser valorada em desfavor do réu", explica a juíza.
Segundo a magistrada, durante o stand-up, o próprio humorista admite que sua fala é preconceituosa e faz piada do fato, por isso o dolo (a intenção de cometer o crime) está comprovado.
“Sou gordo, adoro comer e não gosto de fazer exercício. Como vou emagrecer? Pegando AIDS! Cê não adora comer de tudo? Sai comendo gay sem camisinha, uma hora dá certo! Essa piada pode parecer um pouco preconceituosa. Porque é”, disse Léo Lins num trecho do show.
Para o advogado criminalista Welington Arruda, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a sentença estabelece um marco importante: "a liberdade de criação artística não legitima a instrumentalização do palco como meio de ataque aos direitos fundamentais de coletividades".
Segundo Arruda, a responsabilização penal não decorreu da piada, mas da estrutura e finalidade com que ela foi concebida e difundida.
O que é liberdade de expressão?
A Constituição Federal brasileira define a liberdade de expressão como "a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura".
Thiago Bottino, doutor em Direito Constitucional pela PUC-Rio e professor de Direito Penal pela FGV, explica que a liberdade de expressão é um direito fundamental e necessário em qualquer democracia.
"Todas as democracias protegem a liberdade de expressão porque é isso que permite que pessoas diferentes possam conviver e não sejam perseguidas por pensar diferente e por manifestarem essa opinião diferente", afirma Bottino.
Ao mesmo tempo, as democracias estabelecem limites a liberdade de expressão, impedindo a incitação ao ódio e à violência, a apologia ao crime, a manifestações racistas, discriminatórias ou que atentem contra a dignidade de minorias e grupos vulneráveis.
Os limites protegem o bom funcionamento da democracia para garantir que todas as pessoas possam participar livremente em igualdade de condições sem serem diminuídas ou silenciadas, defende Bottino.
Leo Lins fez comentário em apresentação sobre criança com hidrocefalia no Ceará, gerando críticas nas redes sociais.
Divulgação
Qual é o limite do humor?
O humor trabalha com as categorias de constrangimento, da vergonha, humilhação e também pode ser usado para fazer críticas sociais e políticas. Contudo, existem limites, ele não pode ser usado para legitimar discursos "proibidos" e preconceituosos, ressalta Bottino.
O advogado criminalista Welington Arruda, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), também explica que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o discurso de ódio disfarçado de piada.
"Quando a fala pública se transforma em instrumento de exclusão, humilhação e reforço de preconceitos, ela ultrapassa os limites da proteção constitucional e se converte em ofensa penalizável, como reconhecido na sentença", diz Arruda.
Segundo o advogado criminalista, no caso de Léo Lins, a sentença deixou claro que ele utilizou o humor como uma forma de encobrir a propagação de estereótipos depreciativos, desumanizadores e sistemáticos contra grupos sociais minoritários, como pessoas com deficiência, indígenas, judeus e negros.
Para ele, não se tratou de um caso isolado ou de uma manifestação espontânea em espaço restrito, mas sim de uma ação estruturada, com roteiro, gravação, edição e ampla divulgação nas redes sociais — o que evidenciaria a intencionalidade das ofensas e a multiplicação deliberada do conteúdo discriminatório.
Já o advogado criminalista Rafael Paiva, professor de Direito Penal e Processo Penal, afirma que as falas do Léo Lins não podem ser consideradas um discurso de ódio apesar de serem "piadas de mau gosto".
“A gente pode pegar como discurso de ódio, por exemplo, o que Hitler fazia [...] Isso é um discurso de ódio, jogar todas as responsabilidades, todo o ódio em cima de um grupo de pessoas. Isso é um discurso de ódio. Agora, eu ter uma opinião e fazer uma piada, não é discurso de ódio, em que pese e poder ser criminoso também", opina Paiva.
Por que a dosimetria da pena foi alta?
Além do debate sobre a liberdade de expressão, o caso do Léo Lins também levantou debate sobre a dosimetria da pena. Parte do público considerou que ela foi alta.
Segundo a sentença, a condenação foi fundamentada pelas seguintes leis:
N° 7.716/1989: trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional;
N° 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): assegura proteção específica à dignidade das pessoas com deficiência;
N° 14.532/2023: introduziu o conceito de “racismo recreativo”, qualificando como crime manifestações preconceituosas disfarçadas de piadas ou brincadeiras em atividades artísticas ou culturais abertas ao público.
As falas do humorista foram consideradas ainda mais graves por terem ocorrido num contexto artístico e terem sido compartilhadas nas redes sociais, ampliando a dosimetria da pena, de acordo com a sentença.
Para o criminalista Welington Arruda, a pena imposta está em conformidade com a legislação e guarda proporcionalidade com a gravidade das condutas praticadas.
"A sentença levou em consideração a pluralidade de vítimas, o caráter reiterado das ofensas e a ampla repercussão social do caso, sobretudo diante da divulgação do conteúdo por meio de plataformas digitais com alcance de milhões de pessoas", justificou.
Enquanto o advogado Rafael Paiva considera a pena de 8 anos exagerada, especialmente em comparação com penas para crimes como tráfico de drogas. Ele argumenta que a liberdade de expressão, embora não absoluta, tem maior flexibilidade em contextos como shows de comédia.
O que diz o humorista?
A defesa do humorista Léo Lins sustenta que, em nenhum momento, houve intenção de ofender, discriminar ou diminuir qualquer grupo. Segundo o advogado Carlos Eduardo Régis Ramos, o processo trata da divulgação de um show de stand-up, com conteúdo ficcional e humorístico, e não de um discurso de ódio.
“O Léo não possui intenção de ofender ninguém. Isso ficou claro tanto no interrogatório quanto nas falas das testemunhas ouvidas, inclusive pessoas pertencentes a minorias, que relataram não se sentirem atacadas pelas piadas”, afirmou. Para ele, o humorista atua dentro de um contexto artístico e a responsabilização criminal por esse conteúdo seria indevida.
Ainda de acordo com Ramos, “uma piada tirada de contexto deixa de ser piada e vira ofensa”, e o que o comediante faz é produzir conteúdo de humor com o objetivo de provocar riso e oferecer conforto ao público. A defesa argumenta que, se alguém utiliza esse conteúdo para prejudicar terceiros, a responsabilidade deve recair sobre essa pessoa — e não sobre o artista.
A defesa informou que irá recorrer da decisão e espera que a Justiça Federal, em segunda instância, reveja a sentença.
Entenda a diferença entre racismo e injúria racial

Para ler a notícia completa, acesse o link original:

Ler notícia completa

Comentários 0

Não há mais notícias para carregar