Berimbau no Japão e ginga na Rússia: associação de capoeira criada em Salvador tem filiais espalhadas por sete países

Associação de Capoeira Mestre Bimba foi fundada no Pelourinho, quando a capoeira era crime no código penal brasileiro. Atualmente, a expressão cultural tem conquistado gringos, que aprendem músicas e expressões em português. Associação de capoeira criada em Salvador tem filiais espalhadas por sete países
Ver japoneses tocando berimbau e russos lutando maculelê pode até impressionar um brasileiro comum, mas não os mestres e contramestres da Associação de Capoeira Mestre Bimba. Localizada em Salvador, a entidade foi fundamental para a expansão da luta de matriz africana e que atualmente tem sedes no Japão, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Polônia, Inglaterra e Ucrânia.
"A primeira vez que fui para fora do Brasil foi na cara e na coragem, somente com meu berimbau e o coração cheio de vontade de colocar a nossa Bahia em evidência lá fora", contou Rubens Costa Silva, conhecido como Mestre Bamba.
? A manifestação afro-brasileira conhecida como "Roda de Capoeira" recebeu em 2014, por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Turma da Associação Mestre Bimba no Japão
Arquivo pessoal
O que pode parecer apenas uma história de empreendedorismo, na verdade tem origem na resistência. Quando o clube foi criado, em 1918, a capoeira era associada a marginalidade e proibida no Brasil. Mesmo assim, Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, burlou o sistema e fundou o Centro de Cultura Física Regional (CCFR), no Pelourinho.
Governo da Bahia regulamenta Lei Moa do Katendê, que defende a capoeira no estado
O centro ensinava a capoeira regional, o maculelê, promovia shows folclóricos, bate-papos e feijoadas para os alunos e moradores do Centro Histórico de Salvador. Com o tempo, o centro ficou conhecido fora da capital baiana e passou a atrair alunos de outros estados do Brasil.
Com a morte de Mestre Bimba em 1974, um dos seus alunos, o Mestre Vermelho 27, fundou a Associação de Capoeira Mestre Bimba, em 2 de julho de 1975 - data em que também é celebrada a Independência do Brasil na Bahia. Em 2025, a associação completará 50 anos.
Paris na "cara e na coragem"
A expansão da capoeira regional para os outros continentes começou de forma despretensiosa, através de convites de outros amigos capoeiristas e apresentações nas ruas. Em 1985, Mestre Bamba foi para Paris pela primeira vez e no estilo na "cara e na coragem": sem passaporte e sem saber falar a língua.
"A gente foi como artista de rua, fazendo apresentações em praças até sermos contratados para outros tipos de demonstrações, como apresentações em aniversários, por exemplo", contou.
Aos poucos, o mestre foi encontrando espaço na gringa e clubes de lutas passaram a aderir a capoeira. Os professores, mestres e contramestres da Associação de Capoeira Mestre Bimba passaram a viajar para os países para dar aulas nesses clubes e, assim, formar professores que continuassem o legado.
"Quando a gente leva a capoeira para o mundo, a gente leva o nosso Brasil, nossa ancestralidade, nosso povo, nossa cultura, nossa língua. A gente leva o que a gente tem de melhor. Quando eles veem isso, eles ficam muito encantados", afirmou.
Nos últimos 40 anos, Mestre Bamba visitou mais de 20 países para ensinar a capoeira. São mais de 40 franquias da Associação de Capoeira Mestre Bimba espalhadas pelo mundo, algumas delas com professores brasileiros e outras, com nativos.
Mas, segundo ele, nenhum russo, japonês ou americano representa a associação sem antes visitar onde tudo começou: a sede no Pelourinho, em Salvador.
LEIA TAMBÉM:
Documentário homenageia legado de Mestres de Capoeira na Bahia
Capoeira na Rússia, mas em português
Contramestre Tony e a turma da Associação de Capoeira Mestre Bimba em Moscou, na Rússia
Arquivo pessoal
Há duas décadas, a capoeira levou o baiano Antônio Lima Ferreira para outro fuso horário, outra língua e, definitivamente, outra temperatura. O contramestre vive em Moscou, onde forma professores de capoeira e dá aulas para crianças e adultos russos.
Para o baiano de Salvador, a ida à Rússia em 2005 era apenas mais uma viagem de rotina ao lado do tio, Mestre Bamba. Anos antes, em 1993, um filme americano chamado "Esporte Sangrento" havia ajudado a disseminar a capoeira para fora do Brasil e, em Moscou, um clube buscava orientação profissional para implementar a luta.
"Em Moscou a aula foi muito boa e o pessoal perguntou se eu poderia ficar lá durante um ano para auxiliar na formação dos professores. Aceitei porque a associação me ensinou muito e vi uma oportunidade de retribuir o que eles me deram como profissional e pessoa", contou.
Um ano se passou e Toninho, como é conhecido nas rodas de capoeira na Bahia, não voltou mais. Segundo ele, o choque cultural foi grande: precisou aprender a falar russo, sobreviver a temperaturas de até -28ºC e lidar com a diferença cultural entre a Rússia e o "país Bahia". Até o nome de contramestre precisou de uma modificação e passou de "Toninho" para "Tony", pois os alunos não conseguiam reproduzir o som do "nh".
Mestre Bamba e Toninho na Rússia, em 2004
Arquivo pessoal
Nas aulas em Moscou e nas outras franquias, os alunos não aprendem apenas a gingar e dar rasteiras. Eles são ensinados sobre a origem da capoeira e a relação dela com o processo de escravização dos africanos no Brasil Colônia.
Os alunos também aprendem a tocar instrumentos como berimbau, atabaque e pandeiro, essenciais nas rodas de capoeira.
"Tem alguns alunos que fazem como uma forma de luta, mas tem outros que gostam da música, da letra, musicalidade, e a partir daí cada um vai se identificando. É por isso que a capoeira acaba pegando uma grande quantidade de adeptos, tanto no esporte quanto na cultura", disse Mestre Bamba.
Outro ponto importante é que não existe tradução e os alunos precisam cantar as músicas em português - até porque, não tem como traduzir expressões como "paranauê" e "sinhá". Ou seja, os gringos acabam apreendendo diversas expressões em português.
Para Tony, ser um contramestre de capoeira exige administrar não só as aulas, mas as pessoas, seus medos e suas angústias.
"Os escravizados criaram a luta para sobreviver. Até hoje a realidade é difícil, mas não se compara. Se eu estou aqui hoje, é porque muitas pessoas asfaltaram essa rua", afirmou.
Além das filiais fora do país, a Associação de Capoeira Mestre Bimba mantém projetos sociais em Salvador , nos bairros do Calabetão, Jaqueira do Carneiro e Lalita Costa, além da região metropolitana, na comunidade de Costa de Sauipe.
Roupas, calçados, cestas básicas, alimentos e brinquedos podem ser doados na sede da instituição, localizada na Rua das Laranjeiras, no Pelourinho. É possível entrar em contato com a instituição através do número (71) 3322-0639 e do e-mail acmbcapoeira@hotmail.com.
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Ver japoneses tocando berimbau e russos lutando maculelê pode até impressionar um brasileiro comum, mas não os mestres e contramestres da Associação de Capoeira Mestre Bimba. Localizada em Salvador, a entidade foi fundamental para a expansão da luta de matriz africana e que atualmente tem sedes no Japão, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Polônia, Inglaterra e Ucrânia.
"A primeira vez que fui para fora do Brasil foi na cara e na coragem, somente com meu berimbau e o coração cheio de vontade de colocar a nossa Bahia em evidência lá fora", contou Rubens Costa Silva, conhecido como Mestre Bamba.
? A manifestação afro-brasileira conhecida como "Roda de Capoeira" recebeu em 2014, por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Turma da Associação Mestre Bimba no Japão
Arquivo pessoal
O que pode parecer apenas uma história de empreendedorismo, na verdade tem origem na resistência. Quando o clube foi criado, em 1918, a capoeira era associada a marginalidade e proibida no Brasil. Mesmo assim, Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, burlou o sistema e fundou o Centro de Cultura Física Regional (CCFR), no Pelourinho.
Governo da Bahia regulamenta Lei Moa do Katendê, que defende a capoeira no estado
O centro ensinava a capoeira regional, o maculelê, promovia shows folclóricos, bate-papos e feijoadas para os alunos e moradores do Centro Histórico de Salvador. Com o tempo, o centro ficou conhecido fora da capital baiana e passou a atrair alunos de outros estados do Brasil.
Com a morte de Mestre Bimba em 1974, um dos seus alunos, o Mestre Vermelho 27, fundou a Associação de Capoeira Mestre Bimba, em 2 de julho de 1975 - data em que também é celebrada a Independência do Brasil na Bahia. Em 2025, a associação completará 50 anos.
Paris na "cara e na coragem"
A expansão da capoeira regional para os outros continentes começou de forma despretensiosa, através de convites de outros amigos capoeiristas e apresentações nas ruas. Em 1985, Mestre Bamba foi para Paris pela primeira vez e no estilo na "cara e na coragem": sem passaporte e sem saber falar a língua.
"A gente foi como artista de rua, fazendo apresentações em praças até sermos contratados para outros tipos de demonstrações, como apresentações em aniversários, por exemplo", contou.
Aos poucos, o mestre foi encontrando espaço na gringa e clubes de lutas passaram a aderir a capoeira. Os professores, mestres e contramestres da Associação de Capoeira Mestre Bimba passaram a viajar para os países para dar aulas nesses clubes e, assim, formar professores que continuassem o legado.
"Quando a gente leva a capoeira para o mundo, a gente leva o nosso Brasil, nossa ancestralidade, nosso povo, nossa cultura, nossa língua. A gente leva o que a gente tem de melhor. Quando eles veem isso, eles ficam muito encantados", afirmou.
Nos últimos 40 anos, Mestre Bamba visitou mais de 20 países para ensinar a capoeira. São mais de 40 franquias da Associação de Capoeira Mestre Bimba espalhadas pelo mundo, algumas delas com professores brasileiros e outras, com nativos.
Mas, segundo ele, nenhum russo, japonês ou americano representa a associação sem antes visitar onde tudo começou: a sede no Pelourinho, em Salvador.
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Capoeira na Rússia, mas em português
Contramestre Tony e a turma da Associação de Capoeira Mestre Bimba em Moscou, na Rússia
Arquivo pessoal
Há duas décadas, a capoeira levou o baiano Antônio Lima Ferreira para outro fuso horário, outra língua e, definitivamente, outra temperatura. O contramestre vive em Moscou, onde forma professores de capoeira e dá aulas para crianças e adultos russos.
Para o baiano de Salvador, a ida à Rússia em 2005 era apenas mais uma viagem de rotina ao lado do tio, Mestre Bamba. Anos antes, em 1993, um filme americano chamado "Esporte Sangrento" havia ajudado a disseminar a capoeira para fora do Brasil e, em Moscou, um clube buscava orientação profissional para implementar a luta.
"Em Moscou a aula foi muito boa e o pessoal perguntou se eu poderia ficar lá durante um ano para auxiliar na formação dos professores. Aceitei porque a associação me ensinou muito e vi uma oportunidade de retribuir o que eles me deram como profissional e pessoa", contou.
Um ano se passou e Toninho, como é conhecido nas rodas de capoeira na Bahia, não voltou mais. Segundo ele, o choque cultural foi grande: precisou aprender a falar russo, sobreviver a temperaturas de até -28ºC e lidar com a diferença cultural entre a Rússia e o "país Bahia". Até o nome de contramestre precisou de uma modificação e passou de "Toninho" para "Tony", pois os alunos não conseguiam reproduzir o som do "nh".
Mestre Bamba e Toninho na Rússia, em 2004
Arquivo pessoal
Nas aulas em Moscou e nas outras franquias, os alunos não aprendem apenas a gingar e dar rasteiras. Eles são ensinados sobre a origem da capoeira e a relação dela com o processo de escravização dos africanos no Brasil Colônia.
Os alunos também aprendem a tocar instrumentos como berimbau, atabaque e pandeiro, essenciais nas rodas de capoeira.
"Tem alguns alunos que fazem como uma forma de luta, mas tem outros que gostam da música, da letra, musicalidade, e a partir daí cada um vai se identificando. É por isso que a capoeira acaba pegando uma grande quantidade de adeptos, tanto no esporte quanto na cultura", disse Mestre Bamba.
Outro ponto importante é que não existe tradução e os alunos precisam cantar as músicas em português - até porque, não tem como traduzir expressões como "paranauê" e "sinhá". Ou seja, os gringos acabam apreendendo diversas expressões em português.
Para Tony, ser um contramestre de capoeira exige administrar não só as aulas, mas as pessoas, seus medos e suas angústias.
"Os escravizados criaram a luta para sobreviver. Até hoje a realidade é difícil, mas não se compara. Se eu estou aqui hoje, é porque muitas pessoas asfaltaram essa rua", afirmou.
Além das filiais fora do país, a Associação de Capoeira Mestre Bimba mantém projetos sociais em Salvador , nos bairros do Calabetão, Jaqueira do Carneiro e Lalita Costa, além da região metropolitana, na comunidade de Costa de Sauipe.
Roupas, calçados, cestas básicas, alimentos e brinquedos podem ser doados na sede da instituição, localizada na Rua das Laranjeiras, no Pelourinho. É possível entrar em contato com a instituição através do número (71) 3322-0639 e do e-mail acmbcapoeira@hotmail.com.
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