PM de SP pede para cumprir mandados de busca e delegados veem 'usurpação' de função

Um mandado de busca tinha como endereço uma escolinha infantil em Cidade Tiradentes e funcionárias dizem que não foi cumprido. SSP diz que localizou 'drogas em imóveis irregulares'. Esse é mais um capítulo da disputa entre a Polícia Civil e a Militar em SP. Polícia Civil cumpre mandado de busca e apreensão em São Paulo
PCDF/Divulgação
Um coronel da Polícia Militar solicitou, e a Justiça deferiu, um mandado de busca e apreensão para investigar uma denúncia de tráfico de drogas na Zona Leste de São Paulo, no final de maio deste ano.
A decisão motivou reação da Associação de Delegados da Polícia Civil, que entende que o pedido para mandados se trata de uma ação exclusiva dos investigadores, e não dos PMs, e apontam uma suposta “usurpação” de funções com risco até para uma eventual anulação de provas colhidas.
A associação, conjuntamente com outras entidades, protocolou denúncia na Ouvidoria da Polícia e um ofício na Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paul contra ação da PM por investigação ilegal. Para desembargadora, se a PM não pode investigar, logicamente ela não pode solicitar um mandado para obter provas (leia mais abaixo).
O pedido e cumprimento de mandados é mais um capítulo de disputas entre a Polícia Civil e a Militar no estado. Nesta semana, a PM anunciou que levará presos com mandado judicial direto para o presídio, sem passar pela delegacia, como comumente é feito. A medida, que começou pela região central da capital, também foi alvo de críticas da Associação de Delegados, que vê inconstitucionalidade (leia mais abaixo). No ano passado, o motivo do racha era a atribuição para registro de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO).
O mandado de busca
Na decisão, o magistrado detalha que o coronel Mário Kitsuwa, do Comando de Policiamento de Área Metropolitana Nove (CPAM-9), representou pela busca e apreensão na residência de investigados na Zona Leste de São Paulo. O oficial disse haver fortes indícios de que o local serviria para a prática de tráfico de drogas.
A PM disse ter sido acionada no 190 sobre os casos de tráfico em uma viela de Cidades Tiradentes, na Zona Leste. “Foram realizadas diligências a fim de verificar a veracidade dos fatos informados e se apurou que ocorre o tráfico no endereço investigado, que foi ocupado e convertido em habitação irregular, sendo que o uso ocorre instantaneamente nas imediações do local”, descreve a polícia, segundo a decisão judicial.
Ao decidir sobre o pedido, o juiz diz que “não há se falar em ilegitimidade da Polícia Militar para requerer expedição de mandado de busca e apreensão, visto não ser exclusiva a competência da Polícia Civil para realizar atos de resguardo à ordem pública”. Além disso, o juiz diz que houve concordância do Ministério Público para a adoção da medida.
A PM cita ainda informações repassadas ao Disque-Denúncia. “Consta ainda relatório elaborado pela Polícia Militar sobre levantamento de dados sobre o tráfico de drogas no local, acompanhado de fotografias que demonstram a dinâmica do tráfico no endereço investigado, evidenciando que o local é utilizado para o armazenamento, preparo e embalagem de entorpecentes, abastecendo pontos de venda na região”, detalha o magistrado.
O juiz, então, prossegue para concordar com a medida solicitada pela PM, dizendo que os elementos reunidos demonstram a existência de prática de tráfico de drogas no endereço em questão. Afirmou ainda que negar a medida poderia fazer com que a prova se perdesse pelo desaparecimento de seus indícios.
Apesar disso, o mandado de busca e apreensão deferido pela Justiça tinha como endereço uma escolinha infantil em Cidade Tiradentes. Funcionárias do Centro de Educação Infantil (CEI) ouvidas pelo g1 afirmaram, no entanto, que nenhum mandado foi cumprido na escola. Elas acreditam que os policiais militares entraram em uma casa na mesma rua, supostamente apreenderam drogas e prenderam um jovem.
A Secretaria da Segurança Pública disse que, no caso da Cidade Tiradentes, “a PM localizou um depósito de drogas em uma área com imóveis irregulares”. “Com o apoio de cães farejadores, foram apreendidos 3,4 kg de maconha, mais de 500 g de crack, dinheiro e um caderno com anotações. A ação ocorreu em um corredor fechado usado para o tráfico, razão pela qual solicitou-se o competente mandado para ingressar nas habitações lá existentes”, informou.
Um caso anterior ocorreu em Bauru, no interior, em 20 de maio e também foi alvo de reclamações recentes.
Nesse caso, a PM disse ter cumprido um mandado de busca e apreensão, “com autorização judicial e parecer favorável do Ministério Público”. “O investigado foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos, sob suspeita de envolvimento em crimes e posse de arma de fogo.”
Mandado da PM pode resultar em anulação de provas
Presidente da Associação dos Delegados de São Paulo, André Pereira, diz que medidas como a do coronel da capital é ilegal e pode prejudicar o curso da investigação, com eventual anulação das provas.
“Para a população, não importa quem realiza, importa o resultado. Mas no estado democrático deve existir uma ordem que regula esse procedimento. E a constituição e a legislação (específica) não autorizam isso. Estamos falando em direitos a serem preservados e isso afeta todos”, diz.
Para Pereira, além da previsão constitucional, a lei orgânica que regulamenta o funcionamento das polícias Civil e Militar reforça a definição das atribuições.
“Aos policiais civis competem a apuração das infrações penais, exceto as militares. É inconstitucional toda e qualquer investigação, seja por qualquer ferramenta, no âmbito de crimes comuns, sendo realizada pela PM. Isso a lei separa muito bem”, acrescenta.
A lei citada pelo delegado é a 14.735 de 2023, que instituiu a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis. O seu artigo 6º diz: “Compete à polícia civil, ressalvadas a competência da União e as infrações penais militares, executar privativamente as funções de polícia judiciária civil e de apuração de infrações penais, a serem materializadas em inquérito policial ou em outro procedimento de investigação”. A apuração só caberá à Polícia Militar se a infração for de natureza militar.
Em nota, o Ministério Público, que emitiu parecer favorável aos pedidos da PM, disse que, “em casos específicos, a urgência de determinada medida cautelar exige atuação célere do Poder Judiciário, responsável pelo controle da concessão do mandado”. “Nessas circunstâncias, o Ministério Público manifesta parecer favorável, caso seja necessário.”
O TJ de São Paulo disse, em nota, que "os pedidos de mandados de busca que chegam ao Judiciário são, via de regra, encaminhados pela Polícia Civil ou pelo Ministério Público — sendo que, neste último caso, podem ter origem em provocação da Polícia Militar". "Com relação a casos concretos, o Tribunal de Justiça não pode emitir posicionamento sobre questões jurisdicionais ou que possam vir a ser tratadas nos autos."
Interpretação não tem consenso nas instâncias superiores
A desembargadora Ivana David, do TJ-SP, que não participou da apreciação do pedido em questão, explica que o mandado de busca é um meio de obtenção de prova no curso de uma investigação.
“Se a PM não pode investigar, logicamente que não poderia requerer um mandado para obter provas”, diz.
A magistrada também vê risco de as evidências reunidas serem anuladas a pedido da defesa. “De pronto, o advogado pode pedir a nulidade. E se houver prisões decorrentes disso e outros desdobramentos, tudo que se seguiu também pode ser afetado.”
No entanto, a interpretação não tem consenso nas instâncias superiores. Em novembro de 2024, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisou um recurso que pedia a nulidade de provas por “usurpação pela Polícia Militar das atividades constitucionais da Polícia Civil, notadamente das atividades investigativas”.
O magistrado negou o pedido e disse que o entendimento da Corte está firmado no sentido da legalidade de investigações realizadas pela PM, uma vez “que estão ligadas, tão somente, à colheita de elementos informativos quanto à autoria e à materialidade das infrações penais, razão por que não se configura nenhuma usurpação de competências”, como demonstrado por uma jurisprudência usada em 2021 em um caso similar.
Já no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso analisou um caso da mesma natureza em 2022. Ele negou o pedido feito por uma defesa de um investigado em uma ocorrência em Minas Gerais. “O fato de ter sido atribuído à Polícia Civil a competência investigativa não significa dizer que tal incumbência também não possa ser realizada pela Polícia Militar, já que se trata de competência precípua daquele órgão e não exclusiva”, escreveu na decisão.
Prisões sem passar pela delegacia
A Polícia Militar de São Paulo iniciou nesta quarta-feira (4) um projeto-piloto para condução direta de pessoas presas por força de mandado judicial a unidades prisionais, sem passar por delegacias da Polícia Civil.
Denominado de SPRecrim, a iniciativa começa na área do Comando de Policiamento do Centro da capital paulista e motivou críticas das Associação de Delegados do estado, que vê inconstitucionalidade na medida.
Em comunicado, a PM diz que, na abordagem a pessoas procuradas da Justiça, deverá ser verificado a validade do mandado de prisão no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O acusado, então, deve ser conduzido para exame de corpo de delito no IML e, em seguida, diretamente para o CDP 4 de Pinheiros, no caso dos homens, ou à Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, para mulheres.
Para André, presidente da associação, a medida é inconstitucional.
“Esse projeto-piloto é ilegal, pois impede a atuação do delegado de Polícia, que é o primeiro garantidor dos direitos fundamentais, e, principalmente, do juiz de garantias, responsável por aferir a legalidade de todas as circunstâncias relacionadas ao cumprimento do mandado de prisão. Por meros atos internos, a Polícia Militar está revogando a Constituição Federal e as Resoluções do CNJ”, declarou.
A Secretaria da Segurança Pública afirmou, por meio de nota, que o projeto tem o objetivo de combater a reincidência criminal, "com a participação de todas as forças policiais do Estado: Civil, Militar, Técnico-Científica e Penal. A iniciativa é resultado de um processo técnico e colaborativo construído ao longo da atual gestão em amplas discussões entre as instituições."
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"Nos próximos 15 dias úteis, será avaliado na região central da Capital (áreas da 1ª Seccional e do CPA/M-1) um fluxo operacional inédito, que automatiza o envio de informações sobre criminosos presos e permite que procurados com mandado de prisão vigente (civil, preventiva ou definitiva em regime fechado) sejam encaminhados diretamente às unidades prisionais — desde que não haja outras ocorrências associadas no momento da prisão", diz o texto.
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo g1 dizem que o projeto menospreza a autoridade da Polícia Civil e do Judiciário.
O que ocorre hoje quando uma pessoa procurada pela Justiça é presa:
Quando o procurado da Justiça é capturado, ele é levado a uma delegacia da Polícia Civil
Lá, os policiais civis realizam o registro formal da prisão e providenciam o encaminhamento dele ao Instituto Médico Legal (IML) para o exame de corpo de delito
Após essas etapas, o detido é conduzido ao sistema prisional, onde aguarda a audiência de custódia
Como vai funcionar o projeto-piloto da SSP:
O foragido preso pela Polícia Militar é encaminhado diretamente ao IML para o exame de corpo de delito
Em seguida, será levado diretamente ao sistema prisional
As informações sobre a prisão serão enviadas à Polícia Civil, que continuará responsável pelo registro investigativo
A audiência de custódia seguirá ocorrendo em até 24 horas, sendo o transporte realizado pela Polícia Penal
Segundo a SSP, o principal objetivo "é agilizar procedimentos, otimizar recursos e reforçar a integração entre as forças policiais, permitindo o rápido retorno dos policiais militares ao patrulhamento e dos policiais civis às investigações, aumentando a eficácia no combate ao crime e contribuindo para a sensação de segurança da população."
A Secretaria diz ainda que a Polícia Civil permanece responsável pelos registros investigativos e processuais. "Capturas relacionadas a flagrantes, mandados de prisão temporária ou com outras ocorrências continuarão sendo apresentadas diretamente nas delegacias, conforme os trâmites legais."
Ao final desse período de avaliação, os resultados serão mensurados pelo Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) da SSP, que analisará a viabilidade operacional do modelo e poderá propor ajustes ou ampliações futuras.
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PCDF/Divulgação
Um coronel da Polícia Militar solicitou, e a Justiça deferiu, um mandado de busca e apreensão para investigar uma denúncia de tráfico de drogas na Zona Leste de São Paulo, no final de maio deste ano.
A decisão motivou reação da Associação de Delegados da Polícia Civil, que entende que o pedido para mandados se trata de uma ação exclusiva dos investigadores, e não dos PMs, e apontam uma suposta “usurpação” de funções com risco até para uma eventual anulação de provas colhidas.
A associação, conjuntamente com outras entidades, protocolou denúncia na Ouvidoria da Polícia e um ofício na Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paul contra ação da PM por investigação ilegal. Para desembargadora, se a PM não pode investigar, logicamente ela não pode solicitar um mandado para obter provas (leia mais abaixo).
O pedido e cumprimento de mandados é mais um capítulo de disputas entre a Polícia Civil e a Militar no estado. Nesta semana, a PM anunciou que levará presos com mandado judicial direto para o presídio, sem passar pela delegacia, como comumente é feito. A medida, que começou pela região central da capital, também foi alvo de críticas da Associação de Delegados, que vê inconstitucionalidade (leia mais abaixo). No ano passado, o motivo do racha era a atribuição para registro de Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO).
O mandado de busca
Na decisão, o magistrado detalha que o coronel Mário Kitsuwa, do Comando de Policiamento de Área Metropolitana Nove (CPAM-9), representou pela busca e apreensão na residência de investigados na Zona Leste de São Paulo. O oficial disse haver fortes indícios de que o local serviria para a prática de tráfico de drogas.
A PM disse ter sido acionada no 190 sobre os casos de tráfico em uma viela de Cidades Tiradentes, na Zona Leste. “Foram realizadas diligências a fim de verificar a veracidade dos fatos informados e se apurou que ocorre o tráfico no endereço investigado, que foi ocupado e convertido em habitação irregular, sendo que o uso ocorre instantaneamente nas imediações do local”, descreve a polícia, segundo a decisão judicial.
Ao decidir sobre o pedido, o juiz diz que “não há se falar em ilegitimidade da Polícia Militar para requerer expedição de mandado de busca e apreensão, visto não ser exclusiva a competência da Polícia Civil para realizar atos de resguardo à ordem pública”. Além disso, o juiz diz que houve concordância do Ministério Público para a adoção da medida.
A PM cita ainda informações repassadas ao Disque-Denúncia. “Consta ainda relatório elaborado pela Polícia Militar sobre levantamento de dados sobre o tráfico de drogas no local, acompanhado de fotografias que demonstram a dinâmica do tráfico no endereço investigado, evidenciando que o local é utilizado para o armazenamento, preparo e embalagem de entorpecentes, abastecendo pontos de venda na região”, detalha o magistrado.
O juiz, então, prossegue para concordar com a medida solicitada pela PM, dizendo que os elementos reunidos demonstram a existência de prática de tráfico de drogas no endereço em questão. Afirmou ainda que negar a medida poderia fazer com que a prova se perdesse pelo desaparecimento de seus indícios.
Apesar disso, o mandado de busca e apreensão deferido pela Justiça tinha como endereço uma escolinha infantil em Cidade Tiradentes. Funcionárias do Centro de Educação Infantil (CEI) ouvidas pelo g1 afirmaram, no entanto, que nenhum mandado foi cumprido na escola. Elas acreditam que os policiais militares entraram em uma casa na mesma rua, supostamente apreenderam drogas e prenderam um jovem.
A Secretaria da Segurança Pública disse que, no caso da Cidade Tiradentes, “a PM localizou um depósito de drogas em uma área com imóveis irregulares”. “Com o apoio de cães farejadores, foram apreendidos 3,4 kg de maconha, mais de 500 g de crack, dinheiro e um caderno com anotações. A ação ocorreu em um corredor fechado usado para o tráfico, razão pela qual solicitou-se o competente mandado para ingressar nas habitações lá existentes”, informou.
Um caso anterior ocorreu em Bauru, no interior, em 20 de maio e também foi alvo de reclamações recentes.
Nesse caso, a PM disse ter cumprido um mandado de busca e apreensão, “com autorização judicial e parecer favorável do Ministério Público”. “O investigado foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos, sob suspeita de envolvimento em crimes e posse de arma de fogo.”
Mandado da PM pode resultar em anulação de provas
Presidente da Associação dos Delegados de São Paulo, André Pereira, diz que medidas como a do coronel da capital é ilegal e pode prejudicar o curso da investigação, com eventual anulação das provas.
“Para a população, não importa quem realiza, importa o resultado. Mas no estado democrático deve existir uma ordem que regula esse procedimento. E a constituição e a legislação (específica) não autorizam isso. Estamos falando em direitos a serem preservados e isso afeta todos”, diz.
Para Pereira, além da previsão constitucional, a lei orgânica que regulamenta o funcionamento das polícias Civil e Militar reforça a definição das atribuições.
“Aos policiais civis competem a apuração das infrações penais, exceto as militares. É inconstitucional toda e qualquer investigação, seja por qualquer ferramenta, no âmbito de crimes comuns, sendo realizada pela PM. Isso a lei separa muito bem”, acrescenta.
A lei citada pelo delegado é a 14.735 de 2023, que instituiu a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis. O seu artigo 6º diz: “Compete à polícia civil, ressalvadas a competência da União e as infrações penais militares, executar privativamente as funções de polícia judiciária civil e de apuração de infrações penais, a serem materializadas em inquérito policial ou em outro procedimento de investigação”. A apuração só caberá à Polícia Militar se a infração for de natureza militar.
Em nota, o Ministério Público, que emitiu parecer favorável aos pedidos da PM, disse que, “em casos específicos, a urgência de determinada medida cautelar exige atuação célere do Poder Judiciário, responsável pelo controle da concessão do mandado”. “Nessas circunstâncias, o Ministério Público manifesta parecer favorável, caso seja necessário.”
O TJ de São Paulo disse, em nota, que "os pedidos de mandados de busca que chegam ao Judiciário são, via de regra, encaminhados pela Polícia Civil ou pelo Ministério Público — sendo que, neste último caso, podem ter origem em provocação da Polícia Militar". "Com relação a casos concretos, o Tribunal de Justiça não pode emitir posicionamento sobre questões jurisdicionais ou que possam vir a ser tratadas nos autos."
Interpretação não tem consenso nas instâncias superiores
A desembargadora Ivana David, do TJ-SP, que não participou da apreciação do pedido em questão, explica que o mandado de busca é um meio de obtenção de prova no curso de uma investigação.
“Se a PM não pode investigar, logicamente que não poderia requerer um mandado para obter provas”, diz.
A magistrada também vê risco de as evidências reunidas serem anuladas a pedido da defesa. “De pronto, o advogado pode pedir a nulidade. E se houver prisões decorrentes disso e outros desdobramentos, tudo que se seguiu também pode ser afetado.”
No entanto, a interpretação não tem consenso nas instâncias superiores. Em novembro de 2024, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisou um recurso que pedia a nulidade de provas por “usurpação pela Polícia Militar das atividades constitucionais da Polícia Civil, notadamente das atividades investigativas”.
O magistrado negou o pedido e disse que o entendimento da Corte está firmado no sentido da legalidade de investigações realizadas pela PM, uma vez “que estão ligadas, tão somente, à colheita de elementos informativos quanto à autoria e à materialidade das infrações penais, razão por que não se configura nenhuma usurpação de competências”, como demonstrado por uma jurisprudência usada em 2021 em um caso similar.
Já no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso analisou um caso da mesma natureza em 2022. Ele negou o pedido feito por uma defesa de um investigado em uma ocorrência em Minas Gerais. “O fato de ter sido atribuído à Polícia Civil a competência investigativa não significa dizer que tal incumbência também não possa ser realizada pela Polícia Militar, já que se trata de competência precípua daquele órgão e não exclusiva”, escreveu na decisão.
Prisões sem passar pela delegacia
A Polícia Militar de São Paulo iniciou nesta quarta-feira (4) um projeto-piloto para condução direta de pessoas presas por força de mandado judicial a unidades prisionais, sem passar por delegacias da Polícia Civil.
Denominado de SPRecrim, a iniciativa começa na área do Comando de Policiamento do Centro da capital paulista e motivou críticas das Associação de Delegados do estado, que vê inconstitucionalidade na medida.
Em comunicado, a PM diz que, na abordagem a pessoas procuradas da Justiça, deverá ser verificado a validade do mandado de prisão no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O acusado, então, deve ser conduzido para exame de corpo de delito no IML e, em seguida, diretamente para o CDP 4 de Pinheiros, no caso dos homens, ou à Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, para mulheres.
Para André, presidente da associação, a medida é inconstitucional.
“Esse projeto-piloto é ilegal, pois impede a atuação do delegado de Polícia, que é o primeiro garantidor dos direitos fundamentais, e, principalmente, do juiz de garantias, responsável por aferir a legalidade de todas as circunstâncias relacionadas ao cumprimento do mandado de prisão. Por meros atos internos, a Polícia Militar está revogando a Constituição Federal e as Resoluções do CNJ”, declarou.
A Secretaria da Segurança Pública afirmou, por meio de nota, que o projeto tem o objetivo de combater a reincidência criminal, "com a participação de todas as forças policiais do Estado: Civil, Militar, Técnico-Científica e Penal. A iniciativa é resultado de um processo técnico e colaborativo construído ao longo da atual gestão em amplas discussões entre as instituições."
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